1. O setor da construção civil e obras públicas, em tempos responsável por mais de 15% da mão de obra empregue e por cerca de 10% do PIB, entrou há alguns anos num patamar de declínio inexorável. Isso não se deve ao facto de não haver obras, ou de se ter resolvido a falta de mão de obra especializada no setor, mas porque não foram criadas condições para que o país tivesse vários “porta-aviões” na internacionalização a partir da construção civil.

A inexistência continuada de obras infraestruturantes que pudessem manter no ativo estas grandes estruturas empregadoras, assim como a ausência de suporte financeiro para estas mesmas empresas ganharem concursos no exterior sem necessidade de recorrer a parcerias que lhes consomem as margens, explica em parte o fenómeno. Acresce que a fortíssima concorrência existente entre estas mesmas empresas levou a anos de dumping social, a que acresce a tradicional falta de apoio público implícito.

Por tudo isto, são as empresas espanholas que dominam dois terços das mais recentes empreitadas de obras públicas e o recente anúncio de venda minoritária da Mota-Engil a um parceiro – que de imediato se especulou que pudesse ser a chinesa CCCC – é um “tiro no porta-aviões”.

Este negócio, que contribuiu para uma subida estratosférica do valor da empresa, irá, possivelmente, levar a uma saída da família Mota (especulamos nós), tanto mais que a empresa, por aquilo que se sabe, tem um nível de risco elevado, uma exposição externa com riscos judiciais e uma dívida bancária enorme. E com a família Mota pulverizada nas participações, os 30% de capital nas mãos dos investidores chineses é um claro sinal de quem irá mandar daqui para o futuro.

Para os chineses é o regresso em grande ao mercado português e europeu, e é uma operação que lhes cria um “chapéu” para as grandes obras em África e na América Latina, onde estavam a ser acossados. Desta forma apresentam-se com uma empresa europeia, credível e com um excelente nome. E vão reforçar a penetração no mercado africano, onde a Mota-Engil tem mais de duas gerações de presença.

Repetimos: é um “tiro no porta-aviões”, porque é este tipo de empresa que leva as médias companhias no arrastão como subempreiteiros ou parceiros especializados (ainda nos lembramos do projeto em Angola dos pneus recauchutados). Não será exagero afirmar que este negócio é o início do fim da escola de construção civil em Portugal. No futuro, teremos três ou quatro empresas que serão subempreiteiras para setores especializados, para além de empresas para reabilitação e limpeza urbana e pouco mais.

2. A banca vai continuar a passar por momentos turbulentos. Quebra de margens de exploração, redução do crédito, quebra do consumo, juros negativos e excesso de concorrência são fatores que explicam algumas opções estranhas perante a necessidade de cumprir objetivos de produção. Esta constatação vem a propósito de um fenómeno sobre o qual voltaremos a falar de esquemas para reduzir o risco de crédito baseado na adulteração da naturalidade do subscritor do financiamento. Há um banco grande sob pressão por causa deste modelo de trabalho, mas poderão existir ramificações transversais à indústria. Este é um fenómeno a que o Banco de Portugal tem de estar atento.