Ficou célebre a frase do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe, “Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és. Saiba eu com quem te ocupas e saberei também no que te poderás tornar”. Vem isto a propósito da decisão do primeiro-ministro, António Costa, de integrar a comissão de honra da recandidatura de Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica, a par do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina.
Numa altura em que o presidente do Benfica é arguido na chamada Operação Lex, sendo previsível a sua acusação pelo crime de recebimento indevido de vantagem por alegadamente prometer cargos no Benfica ao juiz Rui Rangel, e também no denominado caso do Saco Azul, em que são investigados crimes de fraude fiscal, o primeiro-ministro e o presidente da maior Câmara do País decidem aparecer publicamente a apoiar a recandidatura de Luís Filipe Vieira à presidência do Sport Lisboa e Benfica.
Que futebol e política são áreas que se interligam intimamente, sendo maioritariamente pouco recomendáveis, com ilustres exceções, as pessoas que se movem neste dois domínios, já há muito sabemos. Que tanto Luís Filipe Vieira, como António Costa, são capazes dos maiores malabarismos para levar avante os seus interesses, também é algo sobejamente conhecido. Que, num momento em que o Presidente do Benfica se encontra, mais do que nunca, sob os holofotes da justiça, o primeiro-ministro, o mesmo que ainda há dias veio a terreiro para chamar cobardes a um conjunto de médicos no combate à Covid 19, tenha decidido integrar a comissão de honra de Luís Filipe Vieira, é algo que não seria minimamente expectável. Demonstra que o primeiro-ministro, que diz que o seu apoio é feito enquanto cidadão e benfiquista e não na qualidade de chefe do executivo, não tem consciência de que a um primeiro-ministro não são permitidas duas faces, uma pública e outra privada. Pensar que um primeiro-ministro, mesmo de um País de brandos costumes como o nosso, pode durante o dia comportar-se como líder do executivo e à noite ser, apenas, um fervoroso adepto de um clube de futebol, “mandando às malvas” as suspeições que a justiça assume relativamente ao presidente desse clube e prestando-lhe pública vassalagem, é uma clara demonstração de que António Costa acha que é “dono disto tudo”, dizendo o que quer, seja on ou off the record.
Depois de se ter abespinhado por ter sido apanhado off the record a denegrir a imagem dos médicos, defendendo que pode ter um discurso em privado, para, poucos minutos depois, mudar completamente o seu posicionamento, porque já autorizou o início da gravação, o que revela, no mínimo, falta de verticalidade, algo que já sabíamos, entre outras, pela forma como renegou José Sócrates, como Pedro renegou Jesus Cristo, e como despejou António José Seguro da liderança do PS, António Costa afirma, agora, que não tem que prestar contas a ninguém do que faz na qualidade de cidadão e de benfiquista. Acredita, pois, Costa, que tem direito a personificar as figuras de Dr Jekyll and Mr Hyde, sendo alguém de dia e outrem à noite.
Sabemos que a promiscuidade ente política e futebol continuará a existir e que não é um exclusivo do Benfica, como se vê pelo que ainda há pouco aconteceu no Futebol Clube do Porto, com Rui Moreira, Presidente da Câmara do Porto, a integrar a lista de Pinto da Costa às eleições dos órgãos sociais do Porto, apresentando-se como cabeça-de-lista ao Conselho Superior. No entanto, se as ligações, por vezes mais do que duvidosas, entre o poder local e os clubes das diferentes cidades são históricas, a entrada em cena do representante maior do poder central num momento como o atual não deixa de surpreender pela negativa.