Começou no Conselho Económico e Social (CES) continental a discussão sobre o salário mínimo e as pretensões de o elevar. Independentemente da cristalizada representação social deste CES ter sido decalcada dos vencedores do 11 de Março de 1975 e estar, por isso, muito aquém de representarem, na sua totalidade, patrões e trabalhadores, algumas notas são devidas.
Percebemos as preocupações dos líderes empresariais com a competitividade, afinal o Alfa e o Ómega para a prosperidade de qualquer economia. Mas sabemos, igualmente, que os custos de contexto (energia, transportes, rendas, impostos) pesam muito mais nos custos operacionais da maioria das empresas que os custos laborais. Um dos problemas das últimas décadas no mundo ocidental, mas com especial acuidade em Portugal, tem sido o declínio relativo das remunerações do trabalho no rendimento nacional. Juros, dividendos, direitos e rendas têm levado a melhor, em detrimento das pessoas.
Entraves à contratação colectiva, abrir caminho à desregulação laboral, tornar mais baratos os despedimentos, onerar o recurso aos tribunais em disputas laborais, atacar o valor da sindicalização, congelar os salários mínimos, têm sido as armas de destruição massiva de um modelo de repartição do rendimento nacional que se quer mais equilibrado. Apesar da recessão que se avizinha, existem todos os fundamentos para um aumento do salário mínimo (e este tende a arrastar o salário médio, pormenor não despiciendo) e do valor das horas extraordinárias. Os principais problemas para as empresas são a falta de procura, primeiro, e os custos de contexto, depois. Não os custos laborais.
O desafio dos Governos (nacional e regionais), e das autarquias, será o de restaurar a confiança dos consumidores e famílias, assegurando que o consumo privado e actividade económica prosseguem em condições de segurança sanitária. Por isso, e sabendo que as famílias de mais baixo rendimento são as que têm maior propensão ao consumo, o aumento do salário mínimo parece ser uma política inteligente de colocar mais dinheiro nos bolsos das famílias que o gastarão em alimentação, transportes, roupas e cultura.
Como os anos de 2017 a 2019 ilustram, o aumento dos rendimentos do trabalho aumentou a procura agregada, e isso foi benéfico para as empresas. Lembre-se que por toda a Europa os governos nacionais adoptaram medidas de apoio às empresas, mormente moratórias de empréstimos e rendas, subsídios à suspensão temporária dos contratos de trabalho (na Alemanha foi agora proposto estender a duração de 12 para 24 meses), diferimento do pagamento dos impostos, entre outras. E bem.
Contudo, nenhuma destas medidas provoca, per si só, um aumento da procura dos bens e serviços produzidos pelas empresas como aquilo que acontecerá pelo acréscimo do salário mínimo e das horas extraordinárias. Este é um caso virtuoso, em que beneficiar os trabalhadores beneficiará a maioria das empresas nacionais. Além de que a subida do salário mínimo também potencia mais oferta de trabalho por parte de trabalhadores um pouco mais qualificados.
Adicionalmente, importa relembrar que em todo o mundo uma larga percentagem das funções essenciais (cuidados de saúde, abastecimento alimentar e combustíveis, cuidados a idosos, serviços financeiros, ensino) ao funcionamento de uma economia, em contexto de pandemia, são prestados por trabalhadores que auferem o salário mínimo. Com um peso desproporcionado, em Portugal, de trabalhadores jovens, mulheres e imigrantes. Cerca de 20 por cento daqueles que trabalham, em Portugal, são pobres. São estes uma boa parte dos heróis dos tempos da pandemia, classificados como trabalhadores essenciais. Soubemos elogiar o seu desempenho e profissionalismo. Saibamos transformar esse apreço que lhes devotamos em algo palpável para as suas vidas!