A escolha de Évora, uma cidade que, depois de reconquistada ao PS, constitui o principal baluarte autárquico do PCP, para palco de uma manifestação e da II Convenção do Chega esteve longe de ser inocente. A opção pela cidade de Geraldo Sem Pavor inseriu-se numa linha de atuação própria de um partido populista.

André Ventura estava consciente que o mediatismo seria um dado garantido. A manifestação organizada pelo Chega para mostrar que Portugal não é racista iria espoletar uma reação por parte das forças que se consideram as lídimas herdeiras do 25 de Abril e que não têm pejo em identificar o Chega com o fascismo. A comunicação social não deixaria de se acotovelar no espaço disponível na praça com o nome do conquistador da cidade. Interessava medir a capacidade de mobilização de ambas as partes. Um dado passível de extrapolação para outros cenários, designadamente a eleição presidencial.

Verdade que a manifestação e a contramanifestação ficaram aquém do previsto. Ao contrário do estremar de posições. Ventura fez questão de mostrar que não tinha pavor ao reclamar: “Évora também é nossa”. A contramanifestação respondeu ao som de “Grândola Vila Morena”. Um perímetro de segurança foi acautelado com receio da presença de infiltrados ou extremistas em qualquer um dos lados da barricada. Um receio que se revelaria infundado a menos que o gradeamento e o enorme aparato policial tivessem sido suficientemente dissuasores.

Conseguido o mediatismo inicial possível, André Ventura não abandonou o palco e quis rentabilizar o desafio a que se propusera. Na impossibilidade de vitimização, uma das habituais estratégias populistas, quis colher os louros decorrentes da ousadia de realizar a Convenção do Chega num bastião da esquerda e levantar aquela que tem sido uma das suas principais bandeiras, ou seja, que o racismo está a ser usado para esconder a corrupção que campeia em Portugal.

Porém, no meio de tanta previsibilidade, o imprevisto resolveu marcar presença. Ventura, recentemente respaldado por mais de 99% do seu eleitorado interno, não contava com a derrota da lista da direção nacional que submeteu à Convenção. Como um líder populista não sabe lidar com a contestação interna, Ventura insistiu na lista inicial apenas com uma modificação. Nova derrota mostrou-lhe que o braço de ferro tinha na luta pelos lugares uma contendora à altura. Algo que o obrigou a fazer apelo à sua vocação populista.

Longe de refazer a lista, teimou em reapresentá-la, mas tendo o cuidado de criar um ambiente que impossibilitasse a sua recusa. Bastou começar a articular o discurso deixando no ar a possibilidade de anunciar a sua saída da liderança do Chega para a Convenção se sentir órfã e desatar em lágrimas, antes de aprovar a proposta do líder.

A aventura de André por terras de Geraldo provou, mais uma vez, que o populismo não passa de uma forma de articulação do discurso visando a luta pela hegemonia. No caso, a nível interno. Por isso, na Convenção, quem esteve com o líder constituiu o verdadeiro povo. Quanto à pretensa elite que ousou desafiar Ventura terá vida curta no Chega. A regra populista exige que só o líder saiba interpretar o oráculo do povo.