Novos tempos, tempos novos trarão. A mudança, que a silenciosa infiltração de um vírus que espalha morte, insegurança e incerteza, que põe a economia de rastos e as pessoas em ansiedade, será uma consequência inevitável para a humanidade. A pandemia proporcionou novas experiências que não pedimos e para as quais não nos voluntariámos.
Estes últimos seis meses constituem um manancial de oportunidades. Quando muitos prognosticaram a mudança perante a crise, logo outros duvidaram. Mas agora até os céticos começam a torcer o braço face às alterações com as quais passámos a conviver diariamente e que dificilmente reverterão.
Claro que ainda não passou tempo suficiente para consolidar a diferença. Os ritmos de trabalho, os hábitos do quotidiano, a alteração firme dos percursos diários, escolas, transportes, ambiente de trabalho, relação com chefias e colegas que enchiam a monotonia e foram fortemente rasgados. O tempo dirá se o teletrabalho e o takeaway são a nova normalidade ou o princípio da primeira depressão, porque o ser humano anseia pela sociabilidade e não tarda, cansa, de repente acorda, para o regresso ao contacto com vizinhos, amigos e colegas, numa nova necessidade da monotonia da qual reclamava durante o ano e até às férias.
No atual debate mundial entre saúde e economia, que sobrevoa fronteiras, os cidadãos demonstram de forma efusiva, por vezes violenta, o seu cansaço pelas medidas restritivas pós-confinamento perante a insegurança da dúvida de quando teremos uma solução, seja vacina ou vírus amestrado.
Vacinas que se assumem como a nova arma de arremesso entre países, onde todos se reclamam como pioneiros e ensaiam ser os primeiros a apresentar uma solução milagrosa que vai contribuir para resolver o problema sanitário mais complexo dos últimos cem anos. Como se de tal dependesse o sucesso interno e conferisse uma qualquer liderança externa. De forma ridícula e em sistema de contrarrelógio, semanalmente alguém proclama a prontidão da sua solução. Sem curar de procurar saber de calendário de testes, contraindicações ou eventuais efeitos secundários, sem se preocupar com as consequências para o momento seguinte.
Todos os líderes dos principais Estados, de Donald Trump a Vladimir Putin, de Xi Jinping a Narendra Modi, vislumbram a solução acelerando uma cura de muito duvidosa eficácia. E neste triste espetáculo já vale tudo em nome de liderar a informação, mesmo pela negativa, porque já não é de poder que se trata – ou como nunca o poder se apresentou tão efémero e deslizante.
A saúde passou a ser o alfa e a economia o ómega de todos os políticos e de todas as políticas. Em seu nome se restringem direitos, se condicionam comportamentos, se moldam hábitos, num quase novo modelo de organização social, ainda por definir e sem estar provado. Por sua causa se redefinem conceitos e formas de organização de trabalho, de gestão e de vivência.
Os tempos, os novos tempos, não serão fáceis nem iguais a um passado próximo, mas representarão, no final, apenas um novo degrau na sociedade.