A posição sobre a viabilização ou recusa do próximo Orçamento é geralmente apresentada como um dilema para o Bloco de Esquerda. Uma opção passível de criar desavenças internas entre os membros do partido que defendem a viabilização do Orçamento através da abstenção bloquista e aqueles que julgam chegado o momento de o BE voltar a assumir o populismo antissistema e dar o passo para a queda do Governo de António Costa. Uma situação muito semelhante àquela que foi longamente vivida por um partido populista vizinho, o Podemos de Pablo Iglésias. Porém, na minha ótica, trata-se de um falso dilema.
Assim, não constitui novidade que, a exemplo do Podemos, o sonho do Bloco de Esquerda passa por integrar o Governo e, de preferência, com a gestão de pastas que lhe assegurem um mediatismo capaz de consolidar a imagem do partido junto dos portugueses. Só que, ao contrário do que se passou em Espanha, onde Pedro Sánchez se viu obrigado a aceitar aquilo que tinha reiteradamente recusado, António Costa não se mostra disponível para qualquer coligação, apesar de continuar a apelar ao diálogo com a esquerda, na esperança de ressuscitar a defunta geringonça. Um desejo difícil porque a autorização para a festa do Avante pode não ser suficiente para o PCP voltar a negar a sua essência populista totalitária.
Porém, ao contrário de Sánchez, António Costa não entrou na fase de desespero, pois conta com o apoio presidencial para se manter em São Bento. Marcelo Rebelo de Sousa aceitou integrar a caravana socialista encarregada de espalhar pelas ruas e casas de Portugal que o país não pode vir a ser confrontado com uma crise política. Uma forma de dizer que se o Orçamento não for viabilizado à esquerda, terá de ser o PPD/PSD a assegurar a aprovação. Uma situação altamente previsível porque os 27% de intenção de voto indicados pelas sondagens não permitem a Rui Rio qualquer esperança de tirar proveito da antecipação das legislativas.
Ora, este cenário também faz parte do horizonte bloquista. Catarina Martins e a elite pensadora do BE sabem bem que o partido não se encontra em fase de crescimento eleitoral. A bancada parlamentar correria o risco de se ver amputada de alguns lugares na eventualidade de o partido ser responsabilizado por uma crise política. Uma situação a evitar porque a Assembleia Nacional garante muitas das verbas que asseguram o funcionamento do partido. E as despesas são de monta, até porque será preciso pagar a campanha eleitoral de Marisa Matias e a fatura será pesada. Em 2001, o BE assumiu as dívidas da campanha de Fernando Rosas, no total de 4.898.513$00, depois de ter contribuído com 5.967.308$00 para a campanha.
É esta circunstância que explica a razão de o dilema bloquista representar uma falácia. Dilema é ter duas opções e ver-se obrigado a escolher uma e assumir os custos daí decorrentes. O BE só tem uma opção: viabilizar o Orçamento.
A estratégia passa por criar na opinião pública a imagem de que só o fará depois de aturadas negociações nas quais traçará muitas linhas vermelhas. Dito de uma forma mais clara: o Bloco de Esquerda aceitará influenciar a governação até onde lhe for possível, mas tendo consciência de que essa é a única estratégia possível.
Quanto a António Costa, manterá o sorriso habitual porque já percebeu que nunca uma maioria relativa foi tão absoluta. O que não vale ter a bênção de Belém!