[weglot_switcher]

Perguntas & Respostas: CFO Liderar em tempo de incerteza

São tempos incertos e inéditos estes em que temos vindo a viver e, apesar de um tímido regresso à normalidade, é mais do que nunca necessário olhar para as empresas e pensar na sua retoma e crescimento.
15 Outubro 2020, 07h14

A pandemia do novo coronavírus criou enormes constrangimentos às empresas – ainda assim, obrigou a uma rápida adoção de soluções tecnológicas e levou líderes e colaboradores encarar de frente os inevitáveis processos de digitalização. Neste contexto de recuperação e retoma, muita da pressão é colocada nos ombros dos Chief Financial Officers, CFOs — que desafios vão estes encontrar nas empresas e como podem liderar na era digital e tirar partido de tecnologias que podem revelar-se autênticos game-changers?

A pandemia forçou muitas empresas a uma rápida digitalização — apesar das óbvias preocupações associadas à privacidade e proteção de dados, é possível identificar benefícios neste processo? Quais?

RH – Sim, sem dúvida, é possível tirar benefícios desta experiência que estamos todos a passar. Em primeiro lugar, todos percebemos que os processo que as organizações têm, e estamos a falar da área financeira e fiscal, não podem ser manuais hoje em dia. Percebeu-se claramente que as organizações que têm processos manuais ficaram claramente limitadas, e com isto tinham que começar obviamente um caminho de digitalização, de transformação digital. Tinham que ganhar a capacidade de poder controlar os processos remotamente porque tiveram que ter pessoas a trabalhar nessa circunstância, e com isto muitos CFOs perceberam que o tema da transformação digital, nos processos fiscais e financeiros, tinha que passar muitos graus para cima na agenda de prioridades definida antes da Covid-19.

Este é um tema obviamente muito desafiante mas que  que irá trazer imensos benefícios para as organizações. Acho que vamos perceber ao longo desta conversa que esta digitalização, se quisermos usar este nome de uma forma simplificada, tem imensos benefícios. Tem obviamente imensos desafios associados, mas eu acho que no fim do dia o balanço vai ser claramente positivo. A EY fez um survey muito recentemente com CFOs de 35 países, e a conclusão foi esta: em 24 meses a área financeira e fiscal vai ter que se transformar. A tecnologia vai ter um papel fundamental, tudo o que são processos repetitivos, tudo o que são processo de compliance, vão ter que ser digitalizados. O foco do CFO terá de ter as funções de valor acrescentado e a gestão de risco dentro da organização. Por isso, por aqui se começam a vislumbrar os benefícios que a pandemia nos traz. Não é só uma coisa má, vai nos trazer coisas boas também.

As empresas enfrentam a necessidade de investir em tecnologia, mas todas as empresas terão prioridades diferentes? Por onde começar?

DO – É uma excelente pergunta porque as empresas estão num estado diferente a nível de maturidade tecnológica. Por isso antes de decidir investir, o primeiro passo que têm de dar é olhar para o ecossistema que elas têm e dentro do seu ecossistema quais são os sistemas que suportam as suas atividades core. Quais são os sistemas que suportam tudo aquilo que são sistemas de suporte. Porquê? Porque através desta análise, eles conseguem perceber para onde é que têm de caminhar. Há muitos anos investia-se em tecnologia, não digo que de uma forma cega, mas de uma forma menos bem pensada e isso hoje não pode ser feito. E não pode ser feito porque existe uma grande racionalização daquilo que são os investimentos e portanto a tecnologia tem que seguir aquilo que é o negócio. Depois de fazer esta análise e perceber qual é o ecossistema, temos que perceber qual é a ambição do negócio, qual é o planeamento estratégico para o negócio, para depois alinhar aquilo que é a evolução da tecnologia, em função desta ambição, do planeamento estratégico, da estratégia da organização. Isto pode levar a decisões como substituir algumas das plataformas tecnológicas que têm. Mas também em muitas situações existem plataformas não core de suporte que podem dar origem a decisões como “aquela área pode ir para outsourcing, porque não é core” e o custo beneficio de a manter dentro da organização poderá não fazer qualquer tipo de sentido. Agora, por onde começar? Há pouco a brincar dizia para começar pelo principio, mas é mesmo. Normalmente quando se faz um planeamento estratégico, nomeadamente na área de sistemas de informação, é um planeamento estratégico que tem um, dois, três anos. Nós não podemos guardar todos os benefícios da organização para o final do planeamento estratégico, não faz sentido, até porque isso não mobiliza a organização. Nós temos que identificar logo quais vão sendo aquelas milestones, os benefícios de curto prazo, que vamos identificando. Porque isso por um lado é importante no valor acrescentado que vai trazer, mas também na mobilização da organização para desafios mais importantes, mais complexos porque se vê o beneficio que está a ter, que está a trazer para dentro de casa.

A mudança começa sempre nas pessoas e nas equipas. Terão as empresas que reestruturar, repensar cargos e colaboradores para fazer face a esta nova realidade?

TR – Sim é verdade, eu realmente acredito que esta transformação digital vai trazer uma grande oportunidade para a área financeira. Toda esta automação de tarefas mais rotineiras, mais técnicas, vai permitir aos colaboradores focarem-se em tarefas de maior valor acrescentado, tarefas mais estratégicas e assim permitir que a direção financeira assuma dentro de uma organização um papel de maior destaque e mais estratégico. Mas obviamente não há bela sem senão. E isto traz-nos desafios. Eu colocaria aqui dois grandes desafios. Por um lado as pessoas, como estava a focar. Será que estas pessoas, ao dia de hoje, têm a competência para assumir novas missões? Que competências são necessárias, como as vamos preparar? Isto no capítulo das pessoas. A outra grande área têm a ver com a forma como se trabalha. Claramente existem algumas funções que com a automação vão desaparecer da forma como as conhecemos ao dia de hoje, em prol desta automação. Na grande maioria haverá uma evolução. Vamos ter funções mais ricas porque vamos deixar cair coisas mais rotineiras e certamente a direção financeira vai ganhar aqui algumas novas funções que habitualmente não estavam no ecossistema da área financeira e que vão transitar para fazer face a esta transformação. Por último, porque estamos a ver que isto é uma transformação que tem que acontecer e portanto é essencial a direção financeira refletir um bocadinho sobre qual é que é o propósito e visão que quer para a sua área e a partir daqui perceber “Ok, se queremos ir para aqui, onde estamos hoje? Qual é o caminho que temos de percorrer?”. Para ter aqui no fundo um roadmap que consiga guiar as pessoas. Isto suportado também em quê? Comunicação. Porque as pessoas não são robôs, têm emoções, têm receios que são perfeitamente legítimos, por isso temos que acompanhar isto como uma narrativa da mudança em que elas percebam o que elas ganham, cada um deles, e o que ganha a direção e a organização no seu todo.

Que papel deve ter o CFO na definição da estratégia de transição digital?

OM – A Covid para nós, como já ouvi aqui dizer, mais do que um desafio foi uma oportunidade de percebermos o que podíamos fazer, no fundo talvez, até a identificação da possibilidade e da preparação que todos tínhamos para nos superar e que não sabíamos que tínhamos. Indo agora de encontro à sua questão, qual é o desafio do CFO e da função de um CFO na organização? Eu acho que efetivamente se verificou que a função financeira cada vez mais tem que assumir um papel estratégico na organização. Grande parte das funções que nós lhe atribuíamos no passado, como seja a correta conversão dos números em demonstrações financeiras, o reporting, toda a parte do accounting propriamente dito, até do compliance, rapidamente vimos transformar essas atividades em algo que está cada vez mais automatizado e que se não o estiver  nós temos que aumentar esse nível de automação. E reserva-se ao CFO, e também a todas as pessoas da área financeira, um papel consultor. E eu diria que esse papel consultor começa exatamente na definição da estratégia da organização.

A transformação digital que vai para além da função financeira, é uma transformação do negócio da empresa. É uma transformação da cultura da própria empresa. Por isso nós, área financeira, temos que estar junto à organização a colocar as questões que em todos os momentos é preciso colocar. Qual é o trade off equilibrado entre outsorcing e automação? Não faz sentido para tarefas rotineiras como falamos, e que geram pouco valor acrescentado à empresa, investirmos em sistemas para as fazer. Faz sentido provavelmente fazer o outsorcing das mesmas. Outras tarefas, que geram efetivamente valor para a empresa, nomeadamente porque têm a capacidade de recolha de dados que vão ser depois essenciais para a tomada de decisão, faz sentido investir nesses sistemas. Também a função financeira, que é normalmente identificada como uma função responsável pelo corte de custos tem que identificar as áreas que não geram valor acrescentado. E se são as primeiras áreas a propor a redução de custos, claramente também têm de buscar as áreas onde é preciso fazer investimento. Até para identificar novas áreas de receita e essas áreas de investimento tem claramente essa componente de tecnologia que vamos falar ao longo desta conversa como o grande auxílio para o seu desenvolvimento. Portanto ao mesmo tempo que se colocam estas questões, não podemos deixar de otimizar o que temos em casa. O que está em causa? Temos um conjunto de sistemas que provavelmente, na grande generalidade das empresas, e nas nossas isso foi muito notório, não estão utilizados na sua capacidade máxima. Nós temos várias áreas que nem sequer estavam tocadas do ponto de vista da utilização. E por isso o primeiro ponto é na reflexão estratégica que fazemos: o que é que faz sentido nós mantermos e optimizarmos, esse é o primeiro capítulo que eu diria que a função financeira tem que ter. E depois, de alguma forma, com essa otimização ter a capacidade de tratar os dados, pô-los ao serviço da organização e permitir que a tomada de decisão esteja o mais suportada possível. E eu até acrescento outro ponto, que é muito importante para o CFO, que é manter a calma e a serenidade. Eu chamo a atenção, vivemos todos tempos de pandemia em que no fundo eu sentia que havia muito stress e acho muito importante que a organização, através da função financeira, do CEO e de muitas outras funções, passar a mensagem de que a organização está preparada, está a fazer o trabalho que tem de fazer, e as pessoas que fazem parte da organização podem estar seguras que nós vamos vencer este ciclo e outros ciclos. Por isso é que eu digo que temos que estar serenos, mas também em busca das oportunidades.

Que desafios enfrentam os CFO’s neste contexto de acelerada transição digital dentro das empresas?

RH – Nós aqui já conseguimos falar várias vezes numa palavra que é transformação. Transformação é uma coisa muito profunda e para algo que é muito profundo tem que haver uma estratégia. Seja ela boa ou má, porque as pessoas que estão numa organização precisam de sentir que há uma liderança, que há um rumo, que de facto há uma linha de orientação e que sabemos para onde é que vamos. Que naturalmente vai ter, e nos tempos de hoje com a incerteza que temos pela frente tem que se ter em vista, que se o curto prazo era um ano, hoje são semanas e o médio prazo se calhar é menos de um ano, ou é um ano no limite. E o tema da estratégia, para um CFO ,tem em si um conjunto de desafios que eu vou por então de uma forma diferente. A função financeira e fiscal, eu falo sempre nesta prospectiva mais abrangente, porque o CFO tem sempre “à perna”, entre aspas, um amigo que é a Autoridade Tributária, os reguladores, enfim, um série de entidades, stakeholders, a quem tem também de prestar contas. Não só aos seus próprios acionistas, para quem tem de gerar valor, mas também um conjunto de stakeholders a quem tem de prestar contas, que estão a garantir que a entidade está a cumprir com as regras. E de facto reorganizar, definir esta estratégia, tem em si mesmo um conjunto de desafios. Dentro de um área financeira não existem tipicamente competências de tecnologia. Existem competências financeiras, existem competências fiscais, mas não existem competências de IT. Por isso precisamos de pensar se precisamos ou não precisamos de ter outro tipo de competências dentro de, se dentro da organização existem a competências de IT que a função financeira precisa ou não existe. E aí pensar se vamos buscar um parceiro em cosourcing ou outsorcing para podermos ter a solução de IT para a função financeira. Precisamos de pensar nos sistemas, e há uma panóplia de sistemas. Há sistemas próprios da função financeira, mas há sistemas de negócio e todos eles podem e devem estar interligados entre si. A função financeira é, normalmente, a guardiã de dados dentro da organização. Aqui há tempos eu lia que só 1% dos dados que existem dentro de uma organização são utilizados. Tipicamente são aqueles utilizados para aquilo que historicamente era a função financeira, ou o papel do CFO, ou que o CFO geria, como compliance essencialmente, reporting. Mas hoje é muitos mais. E é preciso não olhar para informação histórica, mas antever o futuro. E é muito mais aí que tem que estar o papel do CFO  e não no passado. O passado há de ser feito de uma forma automatizada, o futuro é que precisa de ser o foco do CFO. E portanto são estes os desafios que um CFO tem pela frente, e definir uma estratégia com tudo isto e conseguir conciliar todas estas variáveis não é fácil. Mas é preciso começar a fazê-lo rapidamente, porque já se percebeu que não é preciso tentar ter a estratégia perfeita, porque por muito perfeita que seja a estratégia vamos ter que ajustá-la em função daquilo que vai ser o caminho pela frente e as variáveis exógenas que vão aparecendo. Por isso vamos ter que definir uma estratégia, seja ela qual for, por isso é que eu dizia boa ou má, melhor ou pior, ajustando, mas trabalhando todas estas variáveis.

Podemos afirmar que os sistemas de informação estão a ser usados na sua plenitude? Que obstáculos há a esta plena implementação?

DO – Eu diria que o Rui tocou num ponto que eu acho super relevante, que tem a ver com a maneira como é utilizada a tecnologia. A tecnologia pode existir, isto é quase como se nós tivéssemos um carro muito bom, e um carro menos bom. Se nenhum de nós souber conduzir nenhum dos dois, para pouco servem os dois. Portanto a questão da competência e da capacidade de utilizar a tecnologia é cada vez mais premente. Acho que cada vez mais as organizações tem tido muito cuidado com isso, essa necessidade está a ser colmatada. Mas fugindo agora um bocadinho à parte das competências e enveredado para outra área: eu acho que temos que olhar para a maturidade digital  das organizações. Perceber qual é a sua maturidade digital. E isto tem muito a ver com a questão que referi à pouco do alinhamento do negócio com o planeamento estratégico da área de sistemas de informação, mas depois extravasa. Porquê? Porque nós temos que olhar para trás, porque temos um passado, temos um legado, temos que olhar para todas essas questões. Olhar para implementações que foram feitas há bastante tempo e não seguiram as metodologias que hoje existem e que devem ser seguidas, como por exemplo as metodologias agile ou fazer um bom change management. Antigamente implementava-se tecnologia e funcionava, portanto as pessoas não estavam muito ávidas, nem estavam com expedientes, chamemos-lhes assim, para elas próprias utilizarem as plataformas. Muitas vezes temos uma boa tecnologia que ninguém está a utilizar porque ninguém sabe o que ela faz. Depois tem a ver com o próprio negócio. Nós falamos aqui muito de evolução rápida, de curto prazo, que o longo prazo é agora cada vez mais o curto prazo, e nós também temos que perceber que os negócios evoluem muito rapidamente. Aquilo que acontece em muitas organizações e situações, é que o negócio evoluiu de tal maneira que a tecnologia não acompanhou a evolução do negócio. Eu vou utilizar uma expressão que muitas vezes utilizamos em tecnologia: criam-se cogumelos, criam-se vários sistemas à volta daqueles sistemas, que são os sistemas core da empresa que vão adicionando complexidade. Vão adicionando muitas vezes anti-corpos a quem os está a utilizar e portanto não são utilizados na sua plenitude. E depois existe, no meu entendimento, outro fato que tem a ver muitas vezes com o desinvestimento na área de tecnologia. Em algumas organizações, porque a tecnologia é considerada, entre aspas, “não core”, existe um desinvestimento na áreas de tecnologia. Isso, uma vez mais, por o utilizador comum não estar alinhado com a sua expectativa, não estando alinhado com o que é a expectativa do colaborador, causa muitas vezes que o colaborador não produza tanto, não esteja tão avido para participar. Claramente há aqui um ponto também, este desinvestimento traz muitas vezes riscos de cyber segurança para dentro das organizações, quando não deveria. Portanto quando me pergunta se utilizamos na plenitude, eu diria assim: talvez, em algumas situações sim, noutra acho que existem vários vários pontos de melhoria.

Sabemos que o CFO do futuro terá que ter as competências para liderar na era digital: que competências são estas?

TR – Claramente têm que ter competências adicionais, para além daquelas que já estava habituado no seu dia-a-dia. No fundo estamos a falar de um equilibro entre competências mais tecnológicas, portanto mais digitais, e a componente humana. Porque à medida que vamos avançado com uma, a outra tem que ir acompanhado a par e passo, tendo no centro a empatia. Quando pensamos no nosso novo contexto penso que existem três desafios para um líder e para um CFO. Primeiro ter que gerir equipas em formatos distintos. Neste momentos temos equipas presenciais, temos as equipas remotas e as equipas mistas, que são as que trazem mais desafios, porque temos que estar com os que estão no escritório e com os que estão em casa. Isto por um lado, por outro a própria constituição das equipas está ligeiramente diferente em termos de vínculos laborais. Temos os colaboradores full time, que é aquilo que nós conhecemos de forma mais tradicional, mas cada vez mais estamos a ir buscar free lancers, ou seja pessoas com competências muito especificas que a organização quando precisa para determinado projeto vai buscar, temos o outsorcing e agora vamos começar a ter os robôs  com a automação. Portanto temos dentro da mesma equipa elementos com expectativas completamente diferentes o que vai obrigado um líder, e um CFO, a pensar como gerir esta equipa tão diferente para garantir a entrega dos melhores resultados. Por último, terceiro ponto, é mesmo como é que eu vou agarrar nesta disrupção tecnológica e vou transmiti-la às minhas pessoas como uma oportunidade e não como uma ameaça. Partindo destes desafios em termos de competências: já aqui falamos muito e claro sobre as competências digitais que são necessárias para colocar em cima das competências habituais, na área mais financeira. Depois outra área muito importante tem a ver com as competências comportamentais, para gerir esta equipa. E eu destacaria aqui dois conjuntos de competências, uma tem a ver com o eu, outra com a equipa. Com o eu claro, porque tudo começa em mim. Eu enquanto líder tenho que estar bem para conseguir liderar. Diria que a primeira tem a ver até com o equilibro emocional que agora com este enquadramento de pandemia vem muito ao de cima. Porque eu sou líder mas também sou pessoa. Como é que eu me vou reenergizar e estar equilibrado? E ainda por cima à distâncias. Como é que vou conseguir ser mais resiliente, porque os desafios são cada vez maiores. Por outro lado, e também jogando com isto , a capacidade de adaptação. Eu cada vez mais tenho que ser mais flexível, o mercado está a mudar muito rapidamente, é muito complexo, e eu vou ter que gerir perante a ambiguidade. Vou ter que tomar decisões muito importantes em contextos em que eu não conheço todas as variáveis. E não posso transmitir esta ansiedade à equipa. A última, ainda da parte do eu, prende-se com a curiosidade. Nós temos acesso a muita informação. Claro que é impossível chegar a todo o lado, mas  tenho que perceber para onde caminham, as tendências, para me conseguir desafiar a mim e à equipa. Criar novos insights, questionar o que está a ser feito. Portanto eu diria que em termos do eu, estas são essenciais para depois eu conseguir projetar e gerir da melhor forma, a mim e à equipa. Dentro  equipa, e agora um tema que nestes meses tem estado muito nas preocupações do líder, tem a ver então como é que eu vou liderar as minhas pessoas que estão à distância. No fundo é criar  um equilíbrio entre o controlo e a confiança. Porque eu não estou com as pessoas, tenho que confiar. A liderança tradicional ainda era muito uma liderança por controle de processos e agora as pessoas têm que se focar cada vez mais em resultados. Obviamente com métricas, porque temos que ir acompanhando, mas é muito por aqui e acreditamos que a médio prazo as equipas vão ser cada vez mais autónomas e mais produtivas porque não vão estar dependentes das lideranças para tudo. Um outro facto tem a ver com a comunicação. Mais uma vez, estamos à distância temos que comunicar proximidade, mas ao mesmo tempo clareza, mas também inspirar. Já vimos que esta transformação que está a chegar vai ser grande, por isso tenho que inspirar para um futuro que os colaboradores queiram e percebam. Por último o líder tem que ser coach das suas equipas, acompanhar, desenvolver e desafiar as suas equipas. Se é bem verdade que a liderança sempre foi um aspeto essencial das organizações, com esta re-organização tão rápida que está a acontecer é importante as empresas perguntarem se os seus líderes estão preparados, e como é que nós os podemos preparar para eles galvanizarem as suas equipas.

O CFO do futuro terá que ter uma enorme fluência no digital — é impossível contornar esta exigência de um executivo financeiro?

OM – Sim claramente, as competências, de um CFO foram de algum modo desafiadas e foram alargadas. Como eu dizia há pouco, o CFO tem que assumir cada vez mais o papel de estratega, e fazer cada vez mais parte da definição da estratégia e não tanto estar preocupado com o processo. Porque o processo de alguma forma, se tivermos os sistemas certos, grande parte da função passa a estar assegurada pelo sistema. Temos que nos concentrar agora em ser os consultores da organização, e para isso temos que estar constantemente a desafiar a nossa equipa e a própria organização. Em tempos de pandemia, eu recordo-me perfeitamente, nós passávamos o dia em forecasts e reforecasts. Ou seja, eu penso que aqui o CFO passou a ter necessidade de explorar ao máximo a informação que está disponível, não só no sistemas financeiro propriamente dito, como em todos os sistemas operacionais que podem de alguma forma complementar os sistemas financeiros e permitir criar previsibilidade e criar cenários, de alguma forma criar informação para os vários stakeholders. Recordo que os Conselhos de Administração passarem a reunir semanalmente, deixaram de ter aquelas reuniões mensais. Porquê? Havia necessidade de acompanhar o dia-a-dia e o que nos esperava. O CFO teve que ganhar a capacidade de dominar variáveis, ou seja aquelas assumptions que nós fazemos no dia-a-dia, o que vai acontecer. Nós estamos perante cenários que antes não tínhamos pensado e sem precedentes, por isso temos que nos preparar e a única forma é começar-mos a pensar em que consequências terá a mudança de qualquer variável e dominar de alguma forma, através dos sistemas, porque não há outra forma, essa mudança. E obviamente não só temos que estar preparados para usar os sistemas, como também disponibilizar essa informação a toda a organização, para que cada tomada de decisão não seja feita sem o recurso aos dados que a organização de alguma forma possa ter e possa ajudar à tomada de decisão. E depois todas as outras componentes do ponto de vista de equipa, que seguramente já falaremos. Também há aqui o desafio de termos os perfis certos e termos as equipas com a multidisciplinariedade que ela deve passar a ter. Obviamente eu adorava ter várias pessoas de IT dentro da equipa, mas provavelmente não fará sentido. O que eu tenho é de fazer uso daqueles skills que já estão na organização e tenho de os trazer para trabalhar connosco, em equipa. E isso é também um grande desafio a juntar à área da tecnologia e do saber digital, de que ninguém sabe, mas que todos temos caminhar para saber mais e melhor.

A função financeira pode tirar proveito da digitalização? Em que processos? Que papel terá por exemplo a automatização, Inteligência Artificial e o machine learning no trabalho dos CFO’s?

RH – A Covid-19 não veio mudar, não é o marco de mudança do papel do CFO. Isto era algo que obviamente já estava a acontecer. A Covid-19 é um acelerador de algo que já se vinha a sentir que era uma necessidade e uma tendência. E é de facto algo que vem dar nos a certeza também, hoje em dia, que precisamos de ter uma capacidade de análise muito rápida e saber reagir muito rapidamente. E como eu dizia há pouco o CFO é alguém que está a coordenar uma área que está a gerir uma imensidão de dados que a organização tem.  Informação é poder, dados hoje em dia são fundamentais para se puderem tomar decisões, são fundamentais para permitir que de facto as decisões sejam sustentadas. São fonte de tudo: de receita, de redução de custos, para podermos gerir melhor as nossas organizações. E portanto o CFO tem neste momento uma oportunidade de ouro para deixar de, ou alguma forma demonstrar à administração ou aos stakeholders da organização, que não é uma mera função de suporte, não é um área de compliance, de reporting. Que é de facto uma área que gere essa imensidão de dados, que os tais 1%  podem-se transformar em muito mais com a ajuda da tecnologia, com todas as ferramentas que existem, todas elas combinadas e com todo o desenvolvimento tecnológico que hoje existe, que amanhã será completamente diferente. E nós vamos ter que estar a acompanhar tudo isto, e é muito rápido. E nós vamos ter que ter capacidade e sensibilidade. Não vamos ter que ter tecnólogos, não temos que saber o que é aquilo, temos que saber o que é que existe, e que nos pode ajudar a desempenhar a nossa função. E portanto significa que esta é oportunidade de ouro para o CFO se afirmar na organização como sendo de facto o oráculo da informação, dos dados, que pode organizar dados, estruturá-los para beneficio de todas as outras áreas da organização, seja a área comercial, a área de negócios, qualquer uma, em função das necessidades que qualquer uma delas tem. E com isso em vez de ter uma mera função de compliance, ter a tal função de geração de valor que ainda por cima consegue quantificar, como tem este privilégio de ter uma experiência muito grande de gerir números, trabalhar números, consegue inclusivamente quantificar, que traduz para dentro da organização e demonstrá-lo aos seus acionistas, demonstrá-lo ao resto do board. Portanto eu acho que é a oportunidade ouro do CFO de se afirmar dentro da organização como uma função de charneira e não de back office. E este é um beneficio que acho que é enorme. Este é o momento, e neste momento, como em tudo, é  preciso estar no sitio certo, no momento certo e tirar daí a oportunidade.

Como devem as empresas dar início aos projetos de automação inteligente?

DO – Os processos de automação inteligente são muitas vezes comparadas com um processo em que vou robotizar qualquer coisa e vou conseguir dispensar uma série de colaboradores. a automação inteligente e os processos de automação inteligente não devem de todo ser considerados desta maneira. O Rui falava há pouco como nós transformámos a área financeira e o CFO muito mais num parceiro de negócio e numa função que não é meramente compliance. Até porque se olharmos para a organização nós vemos que todos os processos no final do dia fluem para a área financeira. Ora se isto é verdade, quando nós iniciamos processos de automação nós devemos olhar para a organização como um todo, de uma forma transversal. Porquê? Porque se nós olharmos para um projeto, ou vários projetos de automação de forma meramente tática, aquilo que nós poderemos eventualmente estar a fazer é a corrigir ou a identificar benefícios que na realidade poderiam ser benefícios muito maiores se nós olhássemos para os processos, que é assim que ele fluem dentro da organização, como completamente transversais à organização. Portanto não é só redução de custos, mas também aumento do controle, que já foi falado aqui, (gestão de risco hoje em dia na área financeira é uma coisa super importante), estamos a falar também de  informação. Vamos supor o seguinte, eventualmente há alguém numa determinada área que está a fazer um atividade que lhe demora um manhã e depois demora cinco minutos a analisar. Se nós conseguirmos automatizar essa atividade e fazer com que essa pessoa invista cinco minutos a fazer o relatório e quatro horas a analisar, se calhar a informação financeira e a análise que vai que vai decorrer daí é muito mais valiosa para a organização do que ao contrário. E aí não estamos a reduzir custos, estamos a aumentar valor de uma maneira diferente. Existe também um outro ponto, que tem muito mais a ver com o stack tecnológico e com o sistema de tecnologia que também é igualmente importante. As empresas têm muitas plataformas tecnológicas e algumas dessas plataformas para responder aquilo que são as necessidades dessas mesmas empresas aquilo que têm de fazer é fazer customizações dentro dessas plataformas. Logo que se faz customizações o TCO (total cost of ownership) dessas empresas aumenta, porque precisam de upgrades, de atualizações, de um série de coisas. Estão lá as customizações, os custos associados a isso mesmo é muito elevado. É nós olharmos para essas oportunidades e fazer com que essas operações sejam feitas cá fora, através de robôs, machine learning, inteligências artificial, e existem hoje inúmeras soluções que podem ser aplicadas para evitar esse tipo de questões. Por isso quando falamos em olhar para um processo de automatização, aquilo que é o meu entendimento é que temos que olhar de uma forma completamente transversal, temos que olhar para a organização e para os processo de forma transversal, identificar as oportunidades, quantificar as oportunidades e essas oportunidades muitas vezes não são monetárias, são de valor acrescentado como aquelas que eu estava identificar para a empresa, e depois ir atrás delas. E depois fazer acontecer. Mas mais uma vez tem que ser uma pareceria entre as diversas áreas. Por isso aqui o CFO pode ter, e tem certamente, um papel fundamental, porque tendo uma visão da organização como um todo, e todos os processos indo praticamente lá parar, ele tem uma visão muito boa que pode ajudar e facilitar nesse processo

As empresas desempenharão um papel fundamental no re-skilling e up-skilling das suas equipas para responder ao novo paradigma? Será a formação interna suficiente?

TR – Isto é realmente muito importante. Temos que colocar os colaboradores no centro desta transformação digital. No ano passado a Harvard Bussiness Review publicou um artigo que foi explorar porque falhavam tantos processos de transformação digital. Gastavam-se biliões e  falhavam, porquê? Tínhamos muita estratégia, muita tecnologia, mas não tínhamos as pessoas com as competências certas e mobilizadas para. Isto tem que estar tudo alinhado para tirarmos daqui o maior proveito. Dai a parte do reskilling dos trabalhadores é essencial. Como temos estado aqui a falar, isto tem que começar com uma estratégia concertada e transversal, enquanto organização e a partir daqui perceber, face a esta estratégia, qual é que para nós são as nossa competências Temos inclusivamente o papel social da organização, tentar fazer este desenvolvimento dos colaboradores. Portanto é essencial mapear, porque cada organização terá as  suas necessidades, face às especificidade, face ao sector, face ao contexto, e às suas próprias competências do futuro. E é bom que faça a sua reflexão. E  o que nos dizem as grandes tendências em termos de evolução das competências? É que estamos a caminhar de competências muito técnicas e especializadas, para competências mais holísticas, mais estratégicas, que encerram diversos saberes. Por exemplo a resolução de problemas complexos, global mind set, acaba por esta a tendência. Depois obviamente ajustada a cada uma das organizações. Primeiro passo mapear as nossa competências de futuro. Segundo, conhecer o que efetivamente temos em casa. Existem muitas organizações que não sabem. Têm uma ideia, mas aqui temos que ser mais cirúrgicos. Porquê? Para perceber efetivamente temos que investir, temos que apostar no desenvolvimento. Não posso inclusivamente correr o risco de estar a gastar dinheiro em coisas que não eram tão criticas como outras. É aqui que vamos fazer este jogo, para perceber onde é que vamos desenhar programas aceleradores de talento. Agora, respondendo à sua questão, de formar internamente ou de ir buscar ao mercado. Existiu uma tendência nos últimos dois anos de ir buscar ao mercado, porque eram competências que não tínhamos dentro de casa, que eram novas. Mas também o que rapidamente se percebeu foi que essas competências também não existiam assim tanto no mercado, porque são competências muito holísticas. Portanto neste momento o que as empresa estão  a optar é por elas próprias criarem programas de desenvolvimento de reskilling das suas pessoas. Agora um ponto muito importante, nós não podemos trabalhar sobre as competências, sem nos lembrar da cultura da organização. É aqui que isto tudo vive e a cultura tem os nossos valores, os nosso key drivers, que estamos a promover. Por isso também é o momento das empresas revisitarem a sua cultura e perceber como têm de evoluir. Não estou a dizer mudar, porque a cultura faz parte da identidade, mas evoluir para estar alinhada com estes tais desafios desta era digital. Por último, para terminar, são os processos. Porque depois eu posso ter as novas competências, mas continuo a fazer a gestão de desempenho sobre coisas antigas, ou pensar no reconhecimento sobre coisas antigas. Portanto acaba por ser tudo um ecossistema que tem de estar integrado. Só que a maior parte das empresas não tem a capacidade de, num momento para o outro, fazer tudo. Agora o importante é pensar nisto e depois ir-se fazendo aos poucos, de forma faseada, começando pelo que é mais critico mas, e para fechar, dar um caminho às pessoas. As pessoas tem que perceber qual é o caminho e como vamos lá chegar. Vamos fazer isto e aquilo. Isto dá muito conforto e ajuda a galvanizar as pessoas a acreditar no futuro e a aderir a estas ferramentas digitais e tecnológicas

Quando falamos deste futuro do trabalho, que desafios se colocam à área financeira, no que concerne ao tema das pessoas?

OM – Eu penso que esse de facto é o maior desafio e nós, a função financeira, já começamos a sentir isso rapidamente quando as pessoas, quando as nossas equipas começaram a trabalhar de modo remoto. Eu recordo que, de um dia para o outro, a minha equipa não estava presente e o grande desafio, creio que para a função financeira, mas também para toda a organização, nomeadamente para quem gere equipas, é no fundo termos e desenvolvermos a capacidade de liderarmos estas equipas. Porque a formas de as manter focadas altera-se de sobremaneira. As pessoas vão estar em casa a trabalhar, nós não vamos ter aquela capacidade de estarmos constantemente a supervisionar o que elas estão a fazer. E falávamos à pouco da confiança, e a confiança de alguma forma também está dependente da nossa capacidade de as saber gerir. Eu recordo-me perfeitamente que um dos maiores desafios é exatamente passar esse foco para as pessoas. Onde estão os nossos objetivos, o que nós queremos. Temos que deixar de pensar que a gestão dessa pessoas vais ser feita da mesma forma. Temos que estar mais atentos, ouvir mais as pessoas, estar atento à linguagem corporal, definir até metas de avaliação de performance completamente diferentes. Ou seja, não será uma avaliação pelo número de operações que executam, mas provavelmente por alcançarem um objetivo, ao final de um dia, de um determinado período. Há que repensar tudo isto, mas ao mesmo tempo motivar as pessoas para manter esse foco. Já para não esquecer do ponto que falei há pouco da multidisciplinariedade. Nós passámos a trabalhar com pessoas com competências que não estávamos habituados a reunir no mesmo fórum de discussão. E por isso há agora que os trazer todos, de tirar, no fundo, o que cada um pode acrescentar e conjugar a esse trabalho conjunto em prol dos tais objetivos que nós traçamos para eles. E nós, de alguma forma, estas equipas, temos que as saber motivar. Há que reter talento. Eu considero, e temos várias provas disso, que se não retivermos o talento a organização perde muito. Há que saber reter esse mesmo talento, manter as equipas perfomances de uma forma agarradas à cultura da empresa e à organização. Isso a meu ver é um desafio. E é um desafio que só é possível se soubermos muito bem aquilo que temos dentro de casa, as pessoas que temos, as valências que temos, o que é que elas precisam para chegar a este ponto ideal de foco e de contribuir para esses mesmos objetivos. De alguma forma nós liderarmos essas pessoas no caminho que nós consideramos o caminho certo. Portanto eu diria que temos ótimos e interessantes desafios pela frente neste campeonato. O saldo é muito positivo, até porque nos desafiamos todos os dias a ser diferente de forma diferente a nossa função o que eu penso só poder ser interessante.

 

Este conteúdo patrocinado foi produzido em colaboração com a EY.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.