1- Este é o primeiro OE do ministro João Leão e em plena pandemia de covid-19, o titular das Finanças diz tratar-se de um “bom orçamento” que não acrescenta uma crise a outra crise e que não é de austeridade. Luís para darmos início a esta conversa sobre o impacto do novo Orçamento do Estado para as empresas, pedia-lhe por favor que comentasse esta afirmação de uma forma geral pois já vamos ficar a conhecer melhor ao pormenor todas as medidas.
Essa foi uma frase que se tornou muito viral pois o ministro repetiu várias vezes que quase convenceu todas as pessoas que se tratava de um bom orçamento. No entanto, é justo dizer que não acrescenta austeridade e mais penalizações fiscais quer às empresas, quer às famílias. É importante referir que a austeridade já vinha de trás, o que se pode discutir é que não alivia a mesma. É verdade que não acrescenta mas também não alivia, pois estamos a viver uma situação que a carga fiscal total é imensa.
2- O Luís, numa entrevista dada ao Jornal Económico, referiu que o Orçamento não estimula o tecido empresarial. Será este um OE que se esqueceu das empresas pois são poucas as medidas que promovem o tecido empresarial? O que podemos esperar para 2021, no que diz respeito às empresas?
Isso foi uma crítica quando ouvi o Presidente da CIP dizer que seria um Orçamento que ficava muito à quem e de facto as medidas para as empresas são escassas. Uns dias antes o Ministro da Economia tinha dito que iríamos ter um Orçamento anticíclico e quando alguém ouve um Ministro da Economia dizer uma frase como esta, esperar-se-ia um pouco mais do que aquilo que acabou por vir a público quando se analisou o conteúdo da proposta de lei. Portanto ficou escasso, tem poucas medidas, não existem praticamente medidas de estímulo, tirando um ou outro aspeto das PME e até penaliza algumas empresas.
3- O ministro das Finanças quis ainda dar uma palavra de tranquilidade às empresas, que acusam o OE de ser uma “desilusão” e diz que o Governo está “preparado” para dar mais apoios às empresas, canalizar mais apoios para a economia e para a manutenção do emprego caso a crise piore.
Eu acho que este Orçamento tem de ser lido em conjunto com aquilo que poderão ser as linhas de apoio que virão do fundo de recuperação económica que a própria União Europeia disponibilizou aos estados. Portugal já fez o seu trabalho de casa e já entregou à Comissão Europeia aquilo que serão as suas necessidades dentro da verba que está alocada e que se espera receber ao longo de 2021. Penso que o Orçamento não responde porque o país tem recursos escassos e limitados e portanto acho que o que o ministro quer dizer é que de facto pode haver alguma margem para que em 2021, se a situação piorar e conjugando esses fundos comunitários, talvez haja mais capacidade de intervir se necessário.
4- O OE assegura a estabilidade e a previsibilidade fiscais que os empresários pedem há muito tempo, ao manter inalterada a carga fiscal. Porém, este ano muito provavelmente as empresas abdicariam de bom grado de um pouco dessa previsibilidade, se em troca o OE trouxesse uma descida do IRC e novas medidas de apoio. O que poderia beneficiar as empresas num ano atípico como este?
Uma das criticas que normalmente se faz quando se olha para o sistema fiscal português é a constante oscilação e as constantes alterações que por vezes acontecem. Nós fizemos um Survey cujos resultados divulgámos poucos dias antes da apresentação da proposta de lei e esse era de facto um sintoma bastante visível por parte das pessoas que responderam ao nosso Survey. Contudo nós vivemos tempos excepcionais sem precedentes e merecem que se pense em medidas excepcionais ainda com carácter temporário ou transitório. Tal como disse a descida do IRC acompanhada de outras medidas que pudessem dar mais liquidez pela via fiscal às empresas poderiam ser algo que os empresários e o tecido empresarial visse com algum agrado. Por exemplo, uma medida que se falou muito passaria por premiar pela via fiscal as empresas que gerassem postos de trabalho ou mesmo aquelas que não decrescessem a sua força de trabalho. Quer uma quer outra, num contexto como aquele que vivemos, deviam merecer por parte do legislador e por parte do governo uma atenção especial.
5- O OE para 2020 apontava para um crescimento do PIB de 1,9%, bem como a verificação de um excedente orçamental de 0,2% do PIB. No entanto esta nova realidade mudou drasticamente os números e recentemente constatou-se que o PIB para 2020 terá um recuo histórico de cerca de 8,5%. Que recuperação podemos esperar para 2021?
Todos nós gostaríamos que fosse a melhor possível. Esses dados que foram incluídos no Orçamento do Estado para 2020 faziam algum sentido, à data que o Orçamento foi preparado, no final de 2019. No entanto a pandemia trouxe uma nova realidade e o próprio Governo apressou-se a fazer um Orçamento do Estado suplementar onde corrigiu essas trajetórias e já nessa altura se apontava para os números negativos como estes que acabou de referir. De facto as últimas indicações dão essa nota desse decréscimo histórico do PIB e também um défice das contas públicas superior a 7%. O Governo aponta para um crescimento de 5,4% do PIB muito alavancado por alguma recuperação da economia, a retoma de alguma atividade do setor do turismo e também alguma retoma naquilo que é a componente exportação. Nós não sabemos como a pandemia vai evoluir e esperamos que o país não tenha de voltar a uma situação parecida com aquela que vivemos durante o estado de emergência, porque se assim for, a recuperação da economia estará posta em perigo para o próximo ano.
6- No que diz respeito à taxa de desemprego, o Governo estima que a mesma venha a atingir a fasquia de 8,2% em 2021. É uma percentagem expectável comparada com os 8,7% em 2020? Ou poderíamos esperar números melhores?
É um número prudente, ainda assim com alguma dose de risco porque atualmente ainda temos algumas empresas numa situação que ainda não recuperaram totalmente a sua capacidade produtiva, ainda existem alguns processos de Layoff ou aqueles incentivos à retoma empresarial. Portanto algumas dessas situações poderão vir a culminar em desemprego, ainda é um pouco imprevisível. Infelizmente a taxa de desemprego continua elevada mas se recuarmos aos tempos que tivemos da Troika em que a taxa de desemprego chegou perto dos 17% e mesmo assim com um êxodo muito grande de portugueses que através da emigração estavam a sair de Portugal. Penso que ainda assim a situação não é tão catastrófica, acho que há uma ligeira recuperação dos tais 8,7% para 8,2%. É prudente e é razoável desde que as outras variáveis se mantenham e que haja capacidade das empresas voltarem a ter alguma normalidade durante o ano 2021.
7- Pensando nas principais alterações de índole fiscal que a Proposta de Lei do OE2021 contempla, que medida destacaria?
Num orçamento escasso como comecei por referir e pouco inovador mais do que aquilo que representa em termos quantitativos é pelo carácter inovador. Eu destacaria a medida do IVAucher, é uma medida curiosa, provavelmente inspirada na política que os grandes operadores de retalho por vezes têm, como as campanhas de fazerem descontos iguais à taxa do IVA. O governo se calhar pensou em algo parecido mas utilizando o IVA em setores que foram fortemente penalizados pela pandemia como o setor do turismo, restauração e cultura. Nesse contexto é uma medida interessante do ponto de vista como ela foi criada e vamos ver se tem o impacto que o governo pretende.
8- Podemos salientar uma medida destinada às grandes empresas com mais de 250 trabalhadores e que tenham um volume de negócio acima de 50 milhões de euros. Estas grandes empresas, que estejam abrangidas por apoios estatais, serão penalizadas caso promovam despedimentos sem reposição de postos de trabalho.
Essa é uma medida que acho que é demasiado penalizadora, uma coisa são as grandes empresas que não são PME que tiveram de recorrer por algum motivo a apoios do estado, aí ate percebo a lógica. O que não entendo é que empresas que não recorreram a nada disto, não tiveram processos de Layoff, não recorreram a linhas de crédito mas pelo simples facto que num contexto normal empresarial tenha que reestruturar a sua força de mercado, deixem de beneficiar, por exemplo do SIFIDE, que é um incentivo à investigação e desenvolvimento. Simplesmente porque há uma regra genérica que veda o acesso a um conjunto vasto de benefícios fiscais pelo simples facto de uma empresa diminuir a sua força de trabalho sem reposição. Vamos ver como vai funcionar, isto também é uma medida transitória. No entanto também compreendo que o Governo tenha implementado uma medida que protegesse o desemprego.
9 – Em Orçamentos do Estado de anos anteriores assistimos sempre à introdução de medidas fiscais que visavam estimular as PME’s. Na Proposta de Lei do OE 2021 temos uma medida que visa desagravar a tributação autónoma em caso de apuramento de prejuízo fiscal em 2020 e 2021. É uma medida com impacto significativo neste segmento particular do tecido empresarial português?
É das poucas medidas de alivio fiscal. As empresas que apurem prejuízo fiscal têm tributações autónomas agravadas em 10 pontos percentuais, isto porque se entende que as tais despesas que sejam sujeitas a tributação autónoma, tem uma componente de utilização pessoal. Falamos de refeições com clientes e essencialmente as despesas relativas à utilização de viaturas ligeiras de passageiros que muitas vezes não são tributadas enquanto rendimento em espécie na esfera dos empregados que utilizam as viaturas. Portanto considera-se por essa via que as despesas com as viaturas, estou a falar das amortizações, dos seguros, dos combustíveis, reparações, parqueamentos, portagens e muitas outras, têm uma tributação autónoma que pode ir de 10% até 35% consoante o custo de aquisição das viaturas. Caso a empresa tenha prejuízo estas taxas agravam em 10 pontos percentuais. Foi introduzida esta medida para dizer que as PME se tiverem prejuízo em 2020 e 2021 que é justificado no contexto da pandemia não devem ter este incremento tributário, devem-se manter pelas taxas normais. Portanto era algo que fazia sentido ser alargado a todas as demais empresas.
10- Serão os 15 mil milhões do Fundo de Recuperação Europeu suficientes para ajudar a reanimar as empresas portuguesas, dada a ausência de estímulos no OE?
Se pensarmos que Portugal quando precisou de pedir ajuda à Troika teve uma verba de 78 mil milhões é pôr as coisas em perspetiva. Claro que aí era um problema do próprio estado que não tinha capacidade de resolver os seus compromissos, também é uma evidência da limitação que esse valor por si só representa. Era melhor que nada, é um valor simpático, ainda tem alguma expressão, é um valor que se for bem utilizado e bem canalizado pode ter um papel fundamental na retoma da atividade económica. Também fui ouvindo ao longo dos últimos meses que esta crise é um pouco diferente das outras crises que o mundo já viveu, é uma crise que se conseguiu ver num curto espaço de tempo porque houve uma grande paragem. Se tudo for utilizado de forma eficiente, Portugal terá capacidade para sair com sucesso deste período muito complexo.
11- Com o objetivo de estimular o setor do alojamento, restauração e cultura, salientamos uma medida inovadora no que diz respeito ao IVA para 2021. Os contribuintes podem abater o IVA que suportarem em despesas desta natureza, pergunto se esta medida poderá incentivar os portugueses a gastar mais no setor da hotelaria e ajudar assim um dos setores que mais sofreu com esta pandemia.
Assim como os portugueses às vezes são impulsionados pelos descontos no retalho se calhar também aqui pode haver essa vontade com um aspecto duplo. Por um lado com uma vontade de consumir pois ja sabem que têm direito a um desconto mas também uma vontade de ajudar setores que foram muito penalizados com esta crise. No entanto não é suficiente, é uma mensagem que o Governo esta a dar, será uma contribuição que cada um dos contribuintes poderá dar mas não é suficiente. O Governo estima que isto tem um impacto de 200 milhões de euros ao nível da receita do IVA, portanto não é algo muito significativo e para gastarmos os 200 milhões cada português teria de gastar cerca de 450€ durante o ano 2021 em restauração. É uma medida simbólica e bem pensada mas tenho dúvidas em como vai funcionar em termos práticos, esperemos que funcione bem.
12- Tem sido dito que este Orçamento aposta na recuperação de rendimentos das famílias em detrimento das empresas. Mas é possível as famílias recuperarem rendimentos se as empresas não conseguirem ultrapassar a crise provocada pela pandemia?
Essa é uma pergunta pertinente. Porque costumam perguntar porque o Governo não facilitou mais a vida das empresas e o Governo tem de pensar que sem contribuintes fortes também não há economia. As empresas precisam de ser fortes para que consigam empregar pessoas, para que consigam pagar os salários às pessoas e consigam ter o poder de compra para poder gastá-lo na economia e a mesma circular. Isto é um equilíbrio difícil, o governo claramente teve uma estratégia neste Orçamento, proteger emprego e premiar as famílias de baixos rendimentos e também as pensões mais baixas. Essas famílias são aquelas que têm menos capacidade pois só vão consumir com o essencial numa ótica quase de subsistência. Acho que é possível que estas medidas possam ter algum impacto mas falta dar às empresas mais estímulos porque as empresas precisam de investir mais. No entanto, há condições para que as coisas possam correr melhor se a pandemia também o permitir.
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