O impacto que a pandemia Covid-19 teve na economia portuguesa é inegável e a resposta a esta crise deve ser alicerçada na construção de uma economia sustentável e neutra em termos climáticos.

É minha convicção que os planos de recuperação, em desenvolvimento para os vários setores de atividade, devem estimular o tecido empresarial no sentido da liderança no que se refere à energia limpa, mobilidade com emissões zero e digitalização, afim de contribuir para a concretização do European Green Deal e da European Digital Strategy, sem esquecer o objetivo da convergência económica.

Portugal é já hoje, em muitas vertentes (como na mobilidade elétrica e renováveis), uma referência no setor da energia e pode assumir um papel muito relevante na emergência de uma economia pós-covid assente nas energias verdes e alinhada com os princípios de desenvolvimento sustentável (Sustainable Development Goals) do UN Compact. Palavras como storage (armazenamento de energia), biogás (economia circular), mobilidade elétrica, hidrogénio ou energias renováveis serão pilares importantes no novo capítulo da história económica que inegavelmente se irá escrever.

Este novo capítulo irá exigir dos stakeholders das diversas cadeias de valor no setor energético – tecnólogos, financiadores, developers ou integradores – uma reforçada partilha de conhecimento e espírito colaborativo, assim como um significativo investimento em R&D e capital humano para responder aos novos requisitos da emergente economia da energia verde.

A recente visão estratégica que o Prof. António Costa Silva elaborou enquadra as opções e prioridades para a recuperação económica de Portugal dos efeitos económicos adversos causados pela atual pandemia, assentando em alguns vetores estratégicos de inegável importância futura que serão catalisadores claros no combate às alterações climáticas. Destaco:

  • Descarbonização da economia, dando continuidade à aposta nas renováveis e ao reforço e digitalização da rede elétrica;
  • Transição para uma economia circular, com especial ênfase na gestão do tratamento de águas e resíduos, sendo que a emergência de uma estratégia nacional para o biogás assume um caráter fundamental;
  • Aposta nos clusters de renováveis e hidrogénio, como promotores de cross-fertilization e inovação;
  • Ambição para a mobilidade sustentável, por via da eletrificação dos transportes – rodoviários e ferroviários -, assim como soluções de light-rail, como novas formas de transporte público em detrimento do transporte

Encontrados os desígnios estratégicos para o desenvolvimento do setor da energia na próxima década, creio ser fundamental que este plano assente na emergência de uma política de reindustrialização à escala da União Europeia e, muito particularmente, do nosso país. De facto, o impacto da pandemia faz-se sentir ao nível das cadeias de abastecimento localizadas que alargam os prazos de entrega de componentes críticos à produção de bens de valor acrescentado e tecnológico.

Se o paradigma da emergência da China como fábrica do mundo em anos recentes foi sendo dominante, a Covid-19 expôs o problema da extrema dependência de um só polo de produção industrial, que importa agora equilibrar no pós-pandemia. Creio, por isso, que a reindustrialização da Europa pode ser a grande oportunidade para a verdadeira industrialização de Portugal.

Devemos ser capazes de aproveitar os movimentos de reshoring das grandes indústrias Europeias e fazer valer a nossas vantagens competitivas naturais e desenvolver vantagens competitivas diferenciadoras à escala europeia, posicionando, assim, Portugal para captar e desenvolver investimento ao nível da indústria de manufatura de valor acrescentado. O aumento do valor acrescentado das nossas cadeias produtivas estará, no meu ponto de vista, intrinsecamente ligado aos elementos referidos anteriormente: economia circular, energia limpa e digitalização.

Para que tal aconteça, o plano de desenvolvimento da indústria nacional deve endereçar não só os seus problemas estruturais de competitividade, mas também a criação de condições de melhoria da atratividade para a captação, não só de Investimento Direto Estrangeiro, mas também de investimento privado nacional (neste particular, o Banco de Fomento poderá vir a desempenhar um papel chave).

É fundamental criar condições para que as empresas portuguesas se possam desenvolver em ambientes de coopetição, cooperando e competindo em simultâneo, única forma de se desenvolver em verdadeiros ecossistemas, seguindo as práticas de outros países europeus que vão afirmando a sua pegada exportadora mundo fora.

Uma relação simbiótica entre o tecido industrial e as Universidades é também nuclear na reindustrialização do país.

Em primeiro lugar, porque a transformação do tecido industrial nacional exige competências e conhecimentos, de cariz técnico e tecnológico, sempre em evolução, competindo às Universidades a antecipação das tendências e a formação de base do capital humano essencial à sustentabilidade de uma indústria de maior valor acrescentado.

Em segundo lugar, porque o desenvolvimento de produtos e sistemas de maior sofisticação e complexidade requer um investimento significativo em I&D, que beneficiaria da existência de clusters de inovação e desenvolvimento a trabalhar de forma articulada, em conjunto e para diferentes indústrias e empresas.

Revestem-se igualmente de criticidade para o sucesso de um plano de reindustrialização nacional, i) a proteção da propriedade intelectual e industrial, ii) o reskilling da força laboral e iii) a redução e estabilização dos custos de contexto.

Num quadro onde Portugal terá acesso ao maior pacote financeiro da União Europeia de sempre, as oportunidades são únicas e os caminhos promissores. Saibamos nós como País e como Sociedade estar à altura do desafio, liderando por exemplo, e agarrando esta oportunidade de transformar e afirmar Portugal numa referência à escala europeia e global.