A União Europeia tem-se distanciado da política americana para a China. Como escreveu Josep Borrell, o Alto Representante da União para a Política Externa e de Segurança, a UE tem seguido “o seu caminho”. Mas a previsível agudização das relações entre os EUA e a China pode comprometer essa opção estratégica, independentemente de quem for o próximo inquilino da Casa Branca.
Tudo indica que os EUA não irão abandonar a sua postura confrontacional. O projeto de uma “Cimeira das Democracias” proposto por Biden não é diferente da “Aliança das Democracias” avançado por Pompeo. Assentam ambos na mesma premissa. Os EUA não conseguirão sozinhos derrotar a China. Precisam de forjar uma aliança e coaptar aliados para a sua causa. Como escreveu Biden, “quando juntamos as democracias a nossa força mais do que duplica”. As leituras de Democratas e Republicanos sobre o modo como os EUA se devem relacionar com a China apresentam imensas similitudes.
Nem sempre os interesses da UE coincidem com os dos americanos. Para os EUA, a China é um alvo a abater. Para a UE, a “China é um parceiro estratégico com o qual a União coopera, mas é ao mesmo tempo um competidor e um rival sistémico”. A posição de Borrell sobre o relacionamento com a China tem sido clara. Desde que Beijing respeite um conjunto de regras (por exemplo, reciprocidade no acesso das companhias europeias aos mercados chineses, equilíbrio nas relações económicas, etc.), a China não será um problema para a União.
Enquanto os EUA não suportam o facto de a China se ter tornado uma grande potência, a “Europa consegue viver com isso”. A União tem-se esforçado por diminuir as tensões entre Washington e Beijing. A iniciativa de diálogo tripartida (EUA-UE-China) lançada a 23 de outubro, foi uma ideia de Borrell. Nunca o diálogo entre Bruxelas e Beijing foi tão intenso como no presente ano, apesar dos constrangimentos causados pela pandemia.
Como sublinhou Sven Biscop, uma “Aliança de democracias” não seria uma aliança com os EUA, mas sim uma aliança para os EUA poderem aumentar o seu poder, a que os interesses dos seus aliados estariam inevitavelmente subordinados. Importa, pois, perceber qual poderá ser o contributo da UE para essa estratégia americana, e qual o impacto dos projetos “unificadores” das democracias contra a China, na política independente adotada pela União, naturalmente não equidistante dos dois rivais, caso se concretizem.
Perante a possibilidade de alguns países da União se alinharem com a estratégia americana, a Europa poderá sentir dificuldade em manter a sua política de autonomia estratégica. Haverá Estados-membros que sob pressão (e sob chantagem) vão ceder e “aderir” a esse projeto “agregador” de democracias porque não lhes resta outra opção, outros fá-lo-ão com grande convicção e empenho.
As opções centrífugas de política externa adotadas por alguns Estados-membros, em detrimento da estratégia da União, criarão brechas difíceis de sanar, comprometerão a sua autonomia e minarão o ensejo de desenvolver uma política externa comum. A via da confrontação, que não interessa à Europa, não só eleva a tensão como empurra o mundo para uma convulsão. Para além disso, descredibiliza os esforços de arbitragem promovidos pela UE com consequências dramáticas para a sua afirmação como ator global.