Tendo o PS de Vasco Cordeiro vencido as eleições legislativas regionais dos Açores, realizadas em 25 de outubro, com maioria relativa, decidiu Pedro Catarino, representante da República para a Região Autónoma dos Açores, indigitar José Manuel Bolieiro, líder do PSD/Açores, como presidente do Governo Regional, uma vez garantido por este um acordo de governação de direita, que conta com o PSD, o CDS-PP e o PPM, mas também com acordos de incidência parlamentar com o Chega e o Iniciativa Liberal, que pela primeira vez elegeram deputados na região.
Se a indigitação do líder do PSD/Açores não levanta dúvidas do ponto de vista constitucional, sendo a réplica da situação ocorrida a nível nacional em 2015, embora nessa ocasião Cavaco Silva tenha preferido começar por indigitar Passos Coelho, líder do partido que havia vencido as eleições, para, num momento ulterior, face à rejeição do programa do governo por parte da Assembleia da República, tenha dado posse a António Costa, que garantiu o apoio de comunistas e bloquistas, criando a famosa ‘geringonça’, já a viabilização da Geringonça Açoriana por parte do Chega fez com que se levantasse um coro de críticas ao PSD e ao seu líder nacional, Rui Rio, por negociar um acordo de incidência parlamentar com um partido da direita radical.
O PS, que, como Manuela Ferreira Leite afirmou, “não gostou de provar do seu próprio veneno”, veio a terreiro criticar de forma veemente a posição tomada pelo PSD ao trazer para a mesa das negociações um partido radical e xenófobo, ultrapassando aquilo que designou como uma linha vermelha. Mas, até personalidades à direita, do PSD e do CDS, se mostraram incomodadas com a solução alcançada, chamando a atenção para a deriva radical do PSD ao negociar com o Chega.
Não temos dúvidas de que o Chega advoga algumas posições que se situam na fronteira do regime democrático, acenando com bandeiras que lhe granjeiam a simpatia de um eleitorado que se encontra claramente descontente com um regime político assente na alternância PS/PSD, fazendo de temáticas populistas a sua forma de afirmação no panorama político nacional.
Mas, embora em menor medida, também podemos encontrar posições radicais, dificilmente compagináveis com a plena ideologia democrática, no PCP e no Bloco de Esquerda. Dir-se-á que estes não são xenófobos. Verdade. Contudo, ambos assentam historicamente em regimes totalitários, que faziam tábua rasa dos princípios democráticos. Dir-se-á que evoluíram. Pode ser, mas na sua génese estão ideias igualmente autoritárias, embora atualmente de uma natureza diferente, impedindo a difusão de ideias contrárias ao seu mindset, ostracizando todos aqueles que têm maneiras de encarar o mundo de uma forma mais conservadora e procurando instalar uma cultura de pensamento único.
O que nos parece importante é que o PSD não ceda em temáticas que ponham em causa o seu estatuto de partido defensor dos princípios e valores democráticos. Ter um acordo de incidência parlamentar com um partido cujos representantes foram legitimamente eleitos, em matérias que em nada beliscam a democracia, parece-nos perfeitamente normal e em nada afetam o estatuto de um partido que sempre agitou a bandeira da democracia e os valores do Estado de direito.
Já é tempo de aceitarmos que, à semelhança do que vem acontecendo noutros países, os partidos de natureza populista, sejam de direita ou de esquerda, colherão sempre os favores de um eleitorado descontente, cabendo aos “partidos do regime”, com a sua atuação, contribuir para esvaziar de sentido estes movimentos, o que só será possível com maior transparência, mais proximidade em relação às populações, menor clientelismo e maior preocupação em dar resposta aos reais problemas que afetam as pessoas.
Objetivamente nada houve de errado em permitir que um partido mais radical viabilize um governo regional, sendo certo que nenhumas cedências foram feitas em matérias que ponham em risco qualquer princípio ou valor democrático.
Errado teria sido se o PSD tivesse feito fretes ao Chega, desviando-se das ideias que enformam a sua atuação. Como assim não foi, esta Geringonça Açoriana tem, em nosso entender, os mesmos méritos e os mesmos defeitos da Geringonça original, restando saber se durará, também ela, por um considerável período de tempo sem que os seus apoiantes se indisponham.