A pandemia que nos assola há praticamente um ano tem criado novos fenómenos sociais, novos negócios e novas oportunidades – legítimas face ao momento vivido – mas assaz curiosas. Assim tem sido a corrida aos equipamentos médicos, como sucedeu com os ventiladores ou os equipamentos de proteção individual, cuja sigla, EPI, já entrou em todas as presenças hospitalares, particularmente na parte dos custos e faturas. Agora entramos na fase das vacinas disponíveis.

A quantidade de produtos em estudo assistindo à vertigem do poder político mundial em afirmar, num assomo de nacionalidade, que a cada vacina é mais emergente, produz maior imunidade e se mostra mais capaz à prevenção da doença do novo coronavírus, mais se assemelha a uma discussão no Conselho de Segurança da ONU.

Já temos a vacina russa, a vacina chinesa, a vacina americana, as vacinas europeias ou transatlânticas. Afirmam – governantes e empresas – que vamos ter vacinas antes do final do ano, no fim do próximo trimestre e em número suficiente até ao final de 2021, de tal modo que, por essa altura devem sobrar vacinas, tal a quantidade de alternativas anunciadas e os milhões ou até biliões de unidades prontas ou prestes a ser disponibilizadas.

Alguns cientistas e médicos olham relutantemente para estas respostas, receosos das complicações secundárias que apenas o tempo irá evidenciar. Os céticos e os negacionistas rejeitam liminarmente o seu uso, e alguns até proclamam que a toma de uma vacina será apenas a tentativa de nos inocular com nanochips (?) para controlar a humanidade. Será apenas um princípio de insanidade ou uma mera reação de medo perante o desconhecido, a insegurança e a incapacidade de controlar que o vírus provoca.

No léxico quotidiano ‘vacina’ é foco de discussão, sinónimo de solução milagrosa, opção de ensaio enganoso ou perigosa resposta para criar problemas ainda mais graves. Os sucessivos anúncios das vacinas – quase portáteis e de trazer por casa – têm tido o condão de trazer entusiasmo às bolsas de valores, fazendo disparar as ações das empresas que anunciam ganhos acrescidos e repentinos.

A corrida às vacinas deixou de ser a corrida de fundo que se anunciava há seis meses para se transformar numa corrida de 100 metros onde todos se esforçam para mostrar a evolução da ciência, o primado do nacionalismo e a prontidão da resposta que vai pôr fim à SARS-CoV 2. Não vai. Mas, pelo menos, contribui para alargar a esperança num momento em que não se vislumbra uma solução para controlar uma pandemia que teima em não dar tréguas.

Nunca a globalização foi tão real, efetiva, imparável e descontrolada. Nenhum governo tem sido capaz de domesticar a progressão da doença, ou de tributar o vírus para obter uma receita extraordinária. A chegada ao mercado da primeira vacina pode contribuir para reverter o processo vivido neste último ano. Mas, até lá, a discussão, a especulação e o desconhecido vão continuar a dominar o futuro próximo.