As sociedades modernas sofrem cada vez mais de um sério problema de desigualdade. Não só de rendimentos, mas principalmente desigualdade de riqueza. Com efeito, um estudo da Oxfam refere que os 1% da população mais ricos detêm tanta riqueza como os outros 99%. Inclusivamente, durante a crise pandémica em que vivemos, os ricos estão cada vez mais ricos, ao passo que os mais pobres são os mais prejudicados.

Os atuais sistemas fiscais têm permitido mitigar a desigualdade de rendimentos. No entanto, a desigualdade de riqueza persiste e mantém uma tendência crescente. Os impostos centram-se sobretudo em taxar o dinheiro quando muda de mãos. Isso ocorre tanto quando os agentes económicos gastam e consomem (via impostos indiretos, que não resolvem o problema da desigualdade) quer quando auferem rendimento (via impostos diretos).

O problema é que é deixada de fora a riqueza já acumulada. Dois indivíduos podem até receber o mesmo salário anual, mas ainda assim terem um nível de riqueza acumulada bastante diferente. Isso pode ocorrer via recebimento de heranças ou de ganhos de capital (regra geral, sujeitos a uma taxa única, ao invés de serem progressivos). Como podemos então resolver a desigualdade de riqueza? Para quem considera que essa desigualdade não é aceitável, uma resposta possível é taxá-la.

O economista francês Thomas Piketty, no seu livro “O Capital no Século XXI”, defende que a riqueza dos milionários deve ser tributada. A sua proposta consiste num imposto progressivo sobre a riqueza que vá desde 5%, para valores acima de dois milhões de euros, até 90% se acima de 2.000 milhões de euros. Piketty defende que tal ajudará a reduzir o fosso entre ricos e pobres e também a financiar o pagamento da dívida pública dos estados.

Fora do mundo académico, no mundo político, a ideia também ganhou força. A candidata às primárias democratas para as eleições presidenciais americanas de 2020, Elizabeth Warren, deu eco a esta proposta, ainda que em moldes mais moderados. Warren defende um imposto anual de 2% sobre a riqueza acima de 50 milhões de dólares e de 3% acima de 1.000 milhões de dólares.

Este imposto consiste, portanto, em taxar o stock de riqueza dos indivíduos que excede os patamares determinados, ao invés dos fluxos de rendimento, como os salários ou os ganhos de capital. A riqueza inclui tudo desde bens móveis e imóveis, participações em empresas, produtos financeiros, dinheiro líquido, entre outros, deduzidos das respetivas dívidas por pagar. O processo de medição pode ser complexo, tanto pela volatilidade dos preços nos mercados financeiros, como pelos incentivos para esconder a riqueza, nomeadamente através de fundações que apenas servem interesses pessoais. Um quadro legislativo robusto seria necessário para evitar ambiguidades e lacunas.

Algumas críticas feitas a esta proposta referem-se ao facto de se taxar riqueza legitimamente ganha, que já foi taxada por resultar do rendimento, fruto do esforço individual. Para além deste argumento de dupla tributação – nem sempre válido, tendo em conta as especificidades dos regimes fiscais e as oportunidades de evasão – alguns argumentam que tal imposto levará ao desencorajamento a que os indivíduos procurem empreender e atingir a mobilidade social necessária para chegarem ao patamar de milionários. Em última instância, poderia colocar-se em causa o crescimento e o desenvolvimento económico.

No entanto, a primeira questão pode ser respondida com um argumento normativo, dizendo que aqueles que mais têm devem, porque o podem efetivamente fazer, contribuir mais para a sociedade. De facto, esse seu contributo, se devidamente aplicado pelo Estado, será fundamental para que outros saiam da pobreza. Este imposto permitiria arrecadar uma receita relevante para o Estado e, assim, ajudar a reduzir o fosso entre ricos e pobres, financiando programas de assistência social ou aumentando a despesa em educação ou habitação, potenciando a igualdade de oportunidades e a mobilidade social.

Acresce que as distorções causadas por um imposto sobre a riqueza serão muito menores do que as causadas por impostos sobre o rendimento do trabalho ou do capital. O que está a ser taxado é, muitas vezes, riqueza não produtiva, ao invés de se penalizar o valor gerado. Quem possuir riqueza que não está a gerar valor nem contributo para a sociedade, terá incentivos para a aplicar em algo que traga um valor acrescentado que compense o imposto a pagar, potenciando assim o crescimento económico. A receita gerada podia mesmo ser usada para aliviar a carga fiscal sobre os rendimentos da classe média ou das empresas.

Há, no entanto, uma questão final de extrema importância relacionada com a operacionalidade de tal imposto. Se Portugal aplicasse uma proposta deste género o que impediria os milionários de fugirem com toda a sua riqueza para outro país? Tendo em conta a mobilidade do capital no mundo global em que vivemos, seria uma proposta impensável de se aplicar unilateralmente no contexto nacional, o que implicaria alguma coordenação à escala internacional.

No entanto, hoje mais do que nunca, a desigualdade tem de estar no centro das preocupações dos economistas. Não interessa somente crescer se essa riqueza não estiver ao alcance de todos – precisamos de um verdadeiro crescimento partilhado.

 

O artigo exposto resulta da parceria entre o Jornal Económico e o Nova Economics Club, o grupo de estudantes de Economia da Nova School of Business and Economics.