O atendimento ao público está longe de ser um ‘lugar-seguro’: há cada vez mais funcionários que, em vez de transmitir segurança ao cliente, fragilizam-no ao tecer comentários negativos sobre o seu corpo. “Parece que criticar o aspeto físico se tornou numa norma, como se se tratasse de uma atitude banalizada e, por consequente, aceite num movimento de ‘honestidade’ e beleza estandardizada”, explica a psicóloga clínica, Filipa Jardim da Silva. Se reparar, quando alguém tece um comentário depreciativo sobre o aspeto de outra pessoa, é comum seguir-se o processo de ‘auto-desculpabilização’ – “Eu só estava a ser sincera!” ou “Só queria ajudar”, são alguns dos ‘escapes’ mais usados. “É importante diferenciar ‘honestidade’ e ‘liberdade de expressão’ de ‘julgamento’ e ‘perda de respeito’”, garante a especialista.
Manuela Micael tinha sido mãe há nove meses quando entrou numa loja “relativamente cara” na esperança de encontrar um vestido para o baptizado do filho. Conta que experimentou “o número maior que fabricavam”, informação que lhe fizeram questão de detalhar, colocando-a “contra a espada e a parede”. O vestido não serviu e, em jeito de esclarecimento, a representante da loja acabou por explicar “que só trabalhavam com pessoas magras”. Na altura, Manuela confrontou-a com a sua ‘falta de simpatia’ mas confessou-nos que se sentiu triste e desmoralizada – “Estava no auge da minha depressão pós-parto”. Para Filipa Jardim da Silva, este exemplo pode ter consequências graves. “Se um comentário humilhante e depreciativo surgir numa fase da vida em que a mulher está particularmente vulnerável, ela pode ter maior dificuldade em geri-lo ou filtrá-lo”, diz. “No fundo, um momento de humilhação pode mesmo resultar numa perda de liberdade individual e de segurança”, acrescenta.
Quando uma mulher não se sente bem na sua pele, o contato com o ‘mundo exterior’ fica condicionado e este tipo de situações podem levar à construção de crenças negativas sobre si própria, alterando a forma como se vê. “Isto pode influenciar a maneira como interage com os outros, os contextos onde se permite estar e as actividades que se permite fazer.”, alerta a terapeuta.
Mas este não é um caso isolado. Vera Ferreira sofreu o mesmo estigma na procura de roupa interior. Desde que se lembra que tem dificuldades em encontrar o seu tamanho de sutiã e sempre lhe tentaram impingir “modelos redutores, com as alças reforçadas, em bege ou branco”. Mas, feitas as contas, o número ideal para Vera era um comum 38 C. Conta-nos que sempre resistiu em usar os tais modelos redutores e que é “bem resolvida com as suas mamas” mas que “com 20 anos chorava muito” com este tipo de comentários. Outro caso é o de Isabelinha Gama. Comprou um par de sapatos que teimavam em se descolar nas laterais e, depois de se dirigir à sapataria para reclamar, o feedback foi chocante. “Também com esse peso estava à espera de quê?”, Perguntaram.
Este ‘bullying’ corporal não escolhe idades, partes do corpo e muito menos marcas. Numa loja de roupa multimarca que vende peças de designers portugueses, Bárbara Carvalho não teve a melhor experiência. Conta que quis experimentar um vestido Luís Buchinho que estava na montra e a funcionária recusou-se a tirá-lo por achar “que não lhe iria servir”. Bárbara sentiu-se desconfortável e acabou por pedir à mãe para o ir comprar. Conta que tem o vestido até hoje e que o adora mas não se esquece dos obstáculos que lhe colocaram.
O problema deste comportamento vai muito para além do desconforto que causa no cliente. O funcionário deve garantir um atendimento isento e ignorar as suas convicções e opiniões pessoais. Na verdade, este estigma social é um verdadeiro veículo para a insegurança da mulher. O profissional que se encontra do ‘outro lado do balcão’ não tem a capacidade de perceber em que fase da vida ou estado psicológico o cliente se encontra. Durante a licença de maternidade, Ju de Oliveira quis experimentar umas calças numa loja Guess. Enquanto escolhia o modelo que queria, a filha, que acompanhava a mãe nas compras, começou a chorar. Ju pediu à funcionária que lhe guardasse as peças escolhidas enquanto acalmava a bebé. E foi aí que ouviu aquilo que não estava à espera: “Posso guardar, mas isto não fica bem a pré-mamas.”, disseram-lhe. Revoltada, saiu da loja mas ainda teve tempo de ouvir um outro comentário entre as colaboradoras – “Esta deve-se achar a [Carolina] Patrocínio para caber nisto”. A jovem de 23 anos, que engordou 11 quilos durante a gravidez, conta que passou “a hora a chorar no carro e a odiar-se” a si própria. Hoje, passados alguns meses do sucedido e com a devida distância, consegue perceber que a coisa mais importante que tem “é o corpo que produziu a sua filha”. Mas confessa que esperava outro atendimento, especialmente num momento tão delicado como o pós-parto e conta-nos que evita entrar em lojas da marca.
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