Já aqui escrevi que esta crise tem sido particularmente prejudicial para aqueles cujo ponto de partida já era mais frágil ou difícil. Em contrapartida, verifica-se que do ponto de vista económico tem sido particularmente favorável para aqueles que, antes, já estavam muito bem.

Num artigo do “Financial Times” de 14 de maio, Ruchir Sharma chama a atenção para o facto de a pandemia ter acelerado algumas tendências sociais e económicas que já estavam em marcha. Em particular, o número de bilionários tem crescido a um ritmo verdadeiramente recorde: no último ano, a nível mundial, tem surgido aproximadamente um novo bilionário por dia.

Adicionalmente, os bilionários que já existiam têm visto a sua riqueza, em percentagem do PIB, aumentar continuadamente. A riqueza total dos 2755 bilionários listados na “Forbes” cresceu, em 12 meses, de cinco triliões (na métrica americana) de dólares para 13, o aumento mais rápido alguma vez registado pela revista. O artigo cita alguns exemplos bastante impressionantes, como o do empresário Amancio Ortega (Inditex) ou do empresário Bernard Arnaut (Louis Vuitton), ambos com uma riqueza avaliada em cerca de 5% do PIB dos respetivos países.

Em certa medida, esta evolução dos super-ricos deriva da política monetária seguida por uma parte significativa dos bancos centrais: dinheiro fácil e barato que continua a ser lançado na economia a um ritmo significativo. Desde o início da pandemia já foram injetados cerca de nove triliões de dólares para manter a economia mundial à tona. Uma parte substancial deste estímulo é dirigido aos mercados financeiros de onde “salta” para os bolsos dos bilionários.

Do ponto de vista político a situação é reconhecida e vai sendo mais ou menos discutida (em baixa voz, para não assustar ninguém). Em vários países fala-se em taxar os bilionários não só no rendimento, mas também na riqueza. Isto permitiria arrecadar receita e também ajudaria a nivelar um pouco as assimetrias.

Em Portugal temos dois bilionários na listagem da “Forbes” de 2021: Maria Fernanda Amorim no lugar 608 e José Neves (Farfetch) no lugar 1249. A viúva de Américo Amorim conta com uma fortuna avaliada em 3,9 mil milhões de euros que corresponde, grosso modo, a 2% do PIB português e que – ainda, segundo a “Forbes” –, teve um crescimento de 20% num ano. De acordo com o “The Wealth Report 2021”, o número de super-ricos em Portugal deverá crescer 17% entre 2020 e 2025.

Este cenário é particularmente grave quando olhamos para os números no outro extremo da distribuição. Segundo dados do INE, em 2020 a população em risco de pobreza ou exclusão social, em Portugal, era de 19,8% (20,2% se considerarmos apenas as mulheres), e o rendimento anual médio líquido por adulto equivalente era pouco mais de 12.600 euros.

A desigualdade na distribuição do rendimento e da riqueza é assustadoramente elevada e aumenta de forma galopante. A crise parece funcionar como adubo para este crescimento. E embora não sendo um jogo de soma zero, a verdade é que o aumento dos super-ricos tem vindo a ser acompanhado por um agravar da pobreza extrema. Parece então evidente quem é que paga, mais uma vez, a crise.