Algumas promessas da campanha eleitoral – que, diz-se agora, tinha por finalidade perder a corrida à Casa Branca – davam mostras do que poderia vir a ser a sua política. Donald Trump, então ainda candidato ao cargo mais poderoso do planeta, queria isolar o seu país daquilo que considerava serem evidentes ameaças externas. E não era tanto o muro que Trump queria construir ao longo da extensa fronteira com o México: eram todos os acordos comerciais que queria rasgar, todas as taxas aduaneiras que queria aumentar e todo o protecionismo que queria ressuscitar.
Maio de 2017 foi o mês de todas as evidências: tanto na cimeira da NATO em Bruxelas (a 25) como na sua primeira presença numa reunião do G7 (dois dias depois), o novo presidente dos Estados Unidos deu mostras de que o diálogo não fazia parte do ADN da sua presidência e que a sua intenção era claramente a de impor o seu ponto de vista (confundido com o ponto de vista dos interesses norte-americanos) contra tudo e contra todos, se necessário fosse.
Os países europeus que repetiram a presença nas duas cimeiras mostraram-se desde logo incomodados com a postura de Donald Trump, e Angela Merkel foi a primeira a dar sinais de que não estava para aturar os estados de alma do presidente norte-americano. Num discurso inesperado proferido por aqueles dias, a chanceler alemã foi clara sobre a necessidade de a Europa voltar a virar-se para si própria e de engendrar uma estratégia comum de desenvolvimento sem a ‘bengala’ de ninguém.
Mas, do que ninguém estava à espera era que Donald Trump levasse tão longe o isolamento que estava subentendido aos seus discursos durante a campanha. O primeiro sinal de que o presidente dos Estados Unidos estava mesmo decidido a romper com o bom entendimento global foi a decisão de retirar o país do Acordo de Paris sobre alterações climáticas.
Mesmo do ponto de vista interno – com várias cidades, universidades, organismos estatais e um sem-número de privados a afirmarem a sua disponibilidade para acompanhar as recomendações do acordo – a decisão de Trump foi muito mal recebida. Até porque, em termos de sustentabilidade da economia, de qualquer economia, a saída do Acordo de Paris é um erro crasso.
Outubro foi o mês de outra decisão disruptiva: Donald Trump ameaçou rasgar o acordo nuclear com o Irão, se o país dos aiatolas não cumprisse a sua parte. A Agência Internacional de Energia Atómica – que fiscaliza o cumprimento do acordado – apressou-se a afirmar que, salvo uma ou outra minudência, o Irão estava a cumprir o que assinara (ao fim de muito difíceis e demoradas negociações) com os parceiros internacionais.
Mas isso não parece ter sido levado em conta por Trump – até porque à questão do acordo estava subjacente a espécie de ‘guerra de galos’ entre o Irão e a Arábia Saudita, com o presidente dos Estados Unidos a ‘atravessar-se’ pelos segundos em todas as circunstâncias. Para já, e principalmente por causa da intensa guerra diplomática contra a decisão de Trump levada a cabo pela União Europeia, os Estados Unidos mantêm o acordo em vigência mas sob uma espécie de ‘contagem de proteção’ por mais quatro meses.
Finalmente Jerusalém. A decisão de assumir a velha cidade como capital política de Israel também era uma promessa eleitoral. Mas, pouco depois da sua eleição, Trump já tinha afirmado que iria mudar a embaixada norte-americana de Telavive para Jerusalém, tendo acabado por desistir – possivelmente confrontado pelos seus conselheiros para os assuntos internacionais. Deste modo, o anúncio feito a 6 de dezembro apanhou toda a gente de surpresa.
Por causa desta decisão, os Estados Unidos haveriam, poucos dias depois e em plena sede da ONU, de sofrer uma das mais severas humilhações internacionais, quando apenas sete países (para além dos Estados Unidos e de Israel) em 193 deram o seu acordo a Trump na questão de Jerusalém.
A frente interna
No interior das cada vez mais fechadas fronteiras domésticas, e segundo afirma uma parte substancial da imprensa norte-americana, Trump tem uma preocupação central: acabar com o legado do seu antecessor, Barack Obama.
O tema da reversão do Obamacare – que também era uma promessa eleitoral – acabou por ser bem mais difícil do que Trump previa, não só porque o programa estava a correr menos mal (mesmo para muitos republicanos) precisando apenas de algumas afinações, mas principalmente porque a alternativa apresentada pela Casa Branca era tão pobre, que era praticamente uma inexistência. Trump conseguiu acabar com várias outras leis sociais – nomeadamente a que Obama criara para cuidar das crianças filhas de pais ilegalmente entrados nos Estados Unidos que precisassem de cuidados médicos.
A área das energias foi outra a que Trump dedicou especial atenção: permitiu a construção de oleodutos que todos os ambientalistas consideram atentados à natureza (verdadeiras bombas-relógio com potencial de contaminação inimaginável); insistiu na pouca necessidade de investir nas energias renováveis e fez regressar a questão da produção do chamado petróleo de xisto à ordem do dia. E não se esqueceu de comentar que o frio glaciar que se abateu sobre parte dos Estados Unidos na semana passada era a prova de que o aquecimento global (“uma invenção dos chineses”, disse algures) não existe.
E mesmo nas vésperas da comemoração do primeiro ano de mandato, Donald Trump recebeu como presente “Fire & Fury”, escrito por Michael Wolff.
Ninguém pode estar certo de como será o segundo ano do mandato de Trump na Casa Branca, mas será difícil que seja tão inesperado como o primeiro. Ou, como dizia o comentador Francisco Seixas da Costa ao Jornal Económico, “se não estivermos todos mortos, este presidente ficará para a história”.
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