Das palavras exatas não me recordo, mas a ideia que me ficou presa desde então foi qualquer coisa como, “Se vens para aqui porque acreditas na Justiça podes já voltar atrás”. Não era a primeira coisa que esperava ouvir no meu primeiro dia de estágio, há 8 anos.

A partir de hoje, enquanto patrono, já posso dizer aos mais novos aquilo que me foi dito no meu primeiro dia. Teria razão para isso?

Para responder à minha questão, procuro perceber se hoje acredito na justiça; se a minha (des)crença me tem valido para alguma coisa e se mesmo que nada me valha, possa valer para os outros.

Nestes anos não pude ver de tudo mas já vi muita coisa.

Já vi advogados faltarem a diligências marcadas com semanas de antecedência sem darem cavaco a ninguém; já vi procuradores a fazerem o mesmo; já vi juízes marcarem 5 julgamentos para a mesma hora sem que fosse dada a mais pequena palavra aos visados pelas 3 estúpidas horas à espera por aquilo que havia de ter começado 3 horas antes.

Faz-me isto crer mais ou menos na Justiça? Não, já que aqui só vejo posta em causa a boa educação. A Justiça pode existir mesmo que bruta. Antes bruta que nenhuma.

Acredito na Justiça: porque já vi advogados darem tudo o que têm para defender os mais fundamentais direitos dos seus clientes, mesmo quando em regime pro bono ou quando aqueles lhes não pagam honorários há duas vidas; acredito porque já vi procuradores a agirem em obediência ao seu papel de garante da legalidade mesmo quando a hierarquia não partilha a mesma visão de legalidade; acredito porque já vi juízes capazes de decidirem tecnicamente bem e com rigor, mesmo que o sentido da decisão seja distinto do que os media antecipavam.

De que é que a minha crença me tem servido?

Quando represento alguém que pessoalmente não me motiva particulares afetos, o facto de se encontrar a ser injustiçado nos tribunais só me dá mais garra para o meu trabalho.

Todos temos direitos, e o do processo justo é daqueles a que mais me tenho afeiçoado, tão violentado que é todos os dias – quando um advogado deixa passar um prazo para invocar uma coisa qualquer e o cliente perde por isso, só porque o primeiro não estava nem aí; quando o Ministério Público uma acusação só para cumprir a estatística, pouco importando se a mesma é inválida; quando um Tribunal condena em prisão alguém só porque sabe muito bem que ela fez aquilo de que a acusavam, mesmo que não haja prova disso.

A crença na Justiça deve servir para isto? Não deveria a Justiça ser um dado adquirido e definido?

Aquilo que é justo para mim não é necessariamente para o outro, sendo-me difícil ver a Justiça como algo certo e definido. Admitir que a Justiça está definida é admitir que há quem seja capaz de a definir, coisa que me causa especiais calafrios.

Ainda que bruta, deve a Justiça ser tida antes como um objetivo da ação de cada um, mesmo que mutável no tempo e na própria pessoa. Acreditar na Justiça é acreditar que a ela se pode chegar no caso concreto, mesmo certo que nunca alcancemos A Justiça.

Nestes anos que passaram acabei por perceber que era d’Esta que o meu patrono me falava. E sem ceticismo, mas como conselho irónico para não deixar de a procurar. Para isso tem-me valido de muito e pode e deve valer para todos.

Numa altura em que se aplaude que advogados, procuradores e juízes tenham acordado na apresentação de 80 medidas para a Justiça, se todos os seus operadores procurassem em cada dia impor um esforço de encontro da justiça nos processos que acompanham, tenho para mim que talvez nem 8 medidas fossem necessárias acordar.

Como crente (na Justiça) paradoxalmente cético que sou, cedo as palmas pela preocupação de termos quem sustente que a Justiça precisa de 80 medidas. Sejam elas quais forem.