Eleições em Itália, o Brexit, o fim gradual do Quantitative Easing e a subida das taxas de juro, uma crise financeira na China, que é uma bolha cheia de dívida que quanto mais tarde rebentar pior será, o sucesso dos ETF (um conjunto diversificado de activos que funciona como se fosse uma acção, logo mais fácil de transaccionar) que está a distorcer os mercados favorecendo as grandes empresas e a tirar liquidez às restantes, são alguns dos factos que podem estar na origem de uma nova crise financeira. São muitos e diversos, e nem me referi aos de natureza geopolítica.
Os últimos anos foram marcados por uma excelente conjuntura internacional que o Governo aproveitou para se legitimar através de sondagens e eleições autárquicas, em vez de continuar com as medidas aplicadas no período da troika e que também contribuíram para os resultados obtidos desde 2014.
A ligeireza com que a classe política (e muitos cidadãos) encara a necessidade de o Estado apresentar superavits orçamentais, de reduzir em termos absolutos a dívida pública, é extremamente preocupante e revela o enorme salto civilizacional que tem de ser dado. Um dos argumentos para que não se seja tão rigoroso com as contas públicas quanto o cidadão comum deve ser com as suas finanças pessoais, é que o Estado não é igual aos indivíduos e a contabilidade pública diferente da privada.
Tal é verdade, mas com um acréscimo de responsabilidade para o Estado. É que se um cidadão quiser viver com dívidas, os seus herdeiros, filhos incluídos, poderão sempre renunciar à herança e começar de novo. O mesmo não sucede relativamente às dívidas do Estado, onde os Portugueses mais novos e os que ainda não nasceram não terão outro remédio que não seja deixar o país se quiserem ter uma vida limpa.
Há quem acredite que tudo passou, que a crise financeira acabou e que os problemas se foram e não voltam mais. Há quem acredite e há quem queira que se acredite. Uns e outros são os que julgaram que o dia 15 de Setembro de 2008 nunca aconteceria, nem nesse dia nem nos dias, meses e anos que vieram depois. A crise das bolsas, das seguradoras, do dólar, do euro, das dívidas soberanas, dos bancos, dos empregos, das famílias, das vidas e dos sonhos das vidas que ficaram. Há quem tenha memória curta.
A nossa classe política, e a maioria dos cidadãos, prefere que assim seja mesmo que seja pior depois. Depois, logo se vê. Mas depois será pior do que foi antes e serão outros os que vão sofrer e lembrar-se de nós, que não nos demos ao trabalho de pensar nas consequências das decisões egoístas que tomámos. E não vale a pena ficar à espera que um líder político mude de discurso, porque ele só surgirá quando a maioria dos Portugueses mudar o sentido da sua vida.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.