Nos últimos anos, tem sido muito comum observar um conjunto de comentários e opiniões que apontam os bancos centrais e as suas políticas como o principal responsável pelo aumento das desigualdades. Normalmente, este é um argumento que é tido muitas vezes por liberais que não suportam qualquer tipo de intervenção seja de um estado ou de um banco central. O racional por detrás disso, é que as taxas de juro baixas aumentam substancialmente os preços das bolsas acionistas bem como de casas e de todos os bens que possam ser adquiridos através de empréstimos. Este argumento é verdade e há estudos que lhe dão suporte. O banco central holandês, publicou em 2019 um relatório que concluiu que as baixas taxas de juro aumentaram a parte dos rendimentos do top 1% no último século. No entanto, isto é apenas uma parte muito incompleta da história.
Em estatística, para se compreender a potencial causalidade ou real impacto de uma variável numa outra existente, realiza-se um “controlo” de variáveis – onde elas se mantêm constantes e limitadas – que não interessam de forma a observar apenas a influência daquela que se pretende analisar.
Mesmo sem recorrer a nenhum estudo já realizado, é possível compreender que a crise da dívida soberana em Portugal foi consideravelmente mais agressiva do que a atual crise pandémica, apesar de ter tido um choque económico muito menos abrupto (não existiu, por exemplo, uma situação extrema de confinamento). A grande diferença entre as duas recessões está na ação do Banco Central Europeu (BCE). Enquanto na primeira, o banco não comprou qualquer dívida aos países membros através do seu programa de quantitative easing, obrigando muitos deles a precisar de medidas de austeridade; na atual crise, o BCE teve uma resposta oposta que possibilitou a toda a zona Euro poder ter políticas fiscais expansionistas contribuindo de forma determinante para toda a sua recuperação económica. O resultado está à vista de todos onde o desemprego em Portugal subiu menos (tinha aumentado 10% entre 2010-2013, enquanto cresceu 1% desde o início da pandemia), a dívida aumentou consideravelmente menos (40% na primeira crise e 20% na atual), o défice também seguiu a mesma lógica (8% e 6% consecutivamente) e o juro da dívida também nunca voltou a pôr em causa a soberania nacional de se poder financiar (17% quando se pediu ajuda externa contra os 0,4% na altura em que a pandemia atingiu o país).
Existe considerável consenso entre economistas de que as crises económicas acabam por ser aquilo que mais contribui para as desigualdades sociais. É normal e até “justo” que assim seja (alguém que teve a coragem de criar a sua própria empresa, tem também o mérito de poder ser o último a cair). Por ventura, se se considerasse optar por controlar a “variável” BCE ou qualquer outro banco central, não os deixando atuar, essas mesmas disparidades sociais ter-se-iam possivelmente exacerbado ainda mais. Taxas mais baixas significam que os consumidores têm menos razões para poupar, por isso acabam por gastar mais. As empresas ficam mais propensas a contrair empréstimos para investir, precisando muitas vezes de criar novos empregos. Assim, a política monetária ajuda a minimizar o desemprego, talvez o mais importante impulsionador da desigualdade de rendimentos. Philip Lowe, governador da Reserva Bancária Australiana, mencionou quando confrontado com o tema que para “a sociedade, no final, como coletivo, será melhor se mais pessoas tiverem emprego.” As preocupações dos bancos centrais para com as desigualdades têm sido uma das razões pelas quais alguns deles têm optado por alterar a sua framework de atuação, resultando em taxas de juro mais baixas durante mais tempo. Há uma tendência cada vez maior em dar prioridade ao desemprego relaxando o target da inflação, deixando os preços subir a níveis acima do seu ideal. A Reserva Federal norte-americana já o fez e o BCE também.
Um outro argumento prende-se no impacto em diversos países em desenvolvimento. O domínio do dólar torna os mercados emergentes extremamente vulneráveis à subida das taxas de juro do dólar, especialmente na atual situação de pandemia. Enquanto o top 1% das economias avançadas perderia dinheiro, centenas de milhões de pessoas nas economias pobres e de baixo rendimento sofrem muito mais. Mas a realidade é que estes 66% da população mundial que vive fora destes mercados são completamente ignorados quando se refere que os bancos centrais são o principal motor das desigualdades sociais.
Com o crescimento dessas acusações, o Bank of International Settlements – o banco central dos bancos centrais – veio referir que as baixas taxas de juro não são o verdadeiro culpado das desigualdades.
O banco aponta a fatores estruturais como a globalização e as mudanças tecnológicas, referindo que o aumento das desigualdades não é um “fenómeno monetário”. Os seus responsáveis, apontam que no curto-prazo a política monetária pode ter um impacto na distribuição dos rendimentos e da riqueza, uma vez que períodos prolongados de elevada inflação ou recessões atingem maioritariamente os mais desfavorecidos. No entanto, referem ainda que “o melhor contributo que a política monetária pode dar a uma sociedade equitativa é tentar manter a economia equilibrada, cumprindo os seus mandatos de preços estáveis e de atividade económica sustentável.”
Não é óbvio que os bancos centrais sejam aqueles que mais contribuem para as desigualdades de rendimentos. Mas, em termos de equilíbrio, e apesar da falta de literatura que existe em torno do tema, é provável que as baixas taxas de juro estejam mais a moderar as desigualdades em vez de as exacerbar. Já seria bastante razoável que toda a história fosse contada quando existem intervenientes que culpam os bancos centrais pelas desigualdades existentes. Ou que pelo menos, dois terços da população mundial não fosse ignorada.
Frederico Aragão Morais
Senior Market Analyst na Qaestum Capital
Este conteúdo patrocinado foi produzido em colaboração com a Qaestum Capital.
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