Os partidos políticos, enquanto realidades dinâmicas, vão fazendo a sua interpretação permanente da sociedade e definindo os seus critérios de actuação nessa mesma realidade social. É normal, e desejável, que assim seja. Os partidos monolíticos, cristalizados, vivem em antítese com o meio, anseiam a revolução que tudo transforme, negam a naturalidade da realidade vigente, propondo a imposição de uma realidade alternativa redentora. O resultado desta iluminação é invariavelmente um ‘ismo’, a repressão, a fome e a violência que vemos, por exemplo, na Venezuela ou imaginamos na Coreia do Norte.
Esta relação dinâmica com o meio quererá significar, da parte dos agentes políticos, uma resposta avulsa e puramente prática para cada demanda da vida quotidiana? Creio firmemente que não. Acredito que os agentes políticos terão de dar respostas abrangentes, mas sempre identitárias e, como tal, sem o desejo irrealista de querer agradar a todos. Não há tal coisa em Democracia, como não há tal coisa na vida.
Perante esta constatação, abdicar da ideologia é tão perigoso como viver enredado na busca permanente de um rigor purista que obstaculize a acção. É necessário, por isso, que as diferentes lideranças encontrem primeiro, com naturalidade, o seu espaço político, se insiram sem dúvidas na linha histórica dos partidos a que pertencem, se sintam à vontade para propor soluções enquadradas pela ideologia que inexoravelmente representam pelo cargo que ocupam. Pensar, ou agir, tendo por base o conceito tão propalado da morte das ideologias é um rematado disparate.
Amizade à parte (que é muita), senti um particular gosto político na escolha de Francisco Rodrigues dos Santos pela Forbes como um dos 30 jovens políticos mais influentes da actualidade na Europa. Era público e notório que a JP é a organização de juventude partidária onde mais se discute política, que mais interage com a sociedade, que mais propostas e respostas apresenta.
O Chicão, como é conhecido, é na realidade o único líder de uma juventude partidária que tem notoriedade, discurso e legitimidade próprios. Tudo isto, este percurso tão curto quanto notável, é feito com uma carga ideológica intensa. A ideia bem fundamentada de uma determinada portugalidade moderna, mas inequívoca, a afirmação corajosa dos valores que adoptaram, a frontalidade do léxico que utilizam, a alegria nas causas que abraçam, dão a esta JP uma projecção que nos deve fazer pensar. A ideologia agrega e apaixona, mobiliza e realiza. O sucesso do Chicão é a recusa permanente em tornar-se morno, no sentido Bíblico.
Mais além, o gosto com que leio e oiço jovens como o democrata-cristão António Pedro Barreiro ou o social-democrata António Carvalho Capela, diz-me que há uma regeneração em curso na forma de pensar a política, o país e o mundo. Depois de uma geração que alguém rotulou como ‘rasca’, temos um friso de jovens em plena ruptura com o arriscado relativismo ocioso que se vinha instalando na política. Há um núcleo de pensamento em formação, que ultrapassa obviamente, e ainda bem, a JP, estendendo-se a outros espectros políticos e partidários. Ninguém duvide que precisamos também de socialistas e sociais-democratas de qualidade se quisermos um país melhor. O pontapé de saída da JP orgulha-me em termos emocionais de pertença, mas seria muito pouco se não contagiasse os outros quadrantes ideológicos.
Mais. Quando vejo as diferentes lideranças partidárias o confundirem amanhã com o futuro, o acto de oportunidade com a decisão estratégica, penso se não será tempo de, com um exercício de humildade, atentar nesta realidade em progresso. As grandes transformações sociais nunca se fizeram sem a juventude, a sua irreverência, o seu voluntarismo, a pureza de ideais que outros foram perdendo. Pensar que este apelo identitário, que esta sede de ideologia podem conformar-se com uma gestão política à vista, de submissão dos principios à oportunidade, de respostas avulsas a problemas avulsos, é um erro que poderá custar muito caro aos políticos e à sociedade. É a falta de alma que gera abstenção, não é a definição e o carácter. É o hermetismo que gera distância, não é a coragem de pensar e afirmar esse pensamento. É a nebulosidade que não inspira confiança, não é a coragem de dizer a verdade.
Num primeiro tempo, dou por mim a pensar se não estaremos, eu e a minha geração, precocemente envelhecidos. Penso onde é que este mar de gente se perdeu no tacticismo da gestão de expectativas pessoais, e se esqueceu da razão maior de ocupar os lugares que ocupam. Penso que muitos nunca chegaram sequer a fazer este trajecto de missão, crescendo nas diferentes incubadoras dos rituais de auto-promoção.
Num segundo tempo, creio eu, mais avisado, acredito que só estaremos velhos se renunciarmos a pensar como estes novos. Se voltarmos as costas a este potencial de regeneração. Se nos obstinarmos na negação do pensamento. Se nos esquecermos que no fim de cada palavra, de cada acto, estão as pessoas. E que será sempre assim.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.