À laia do quase tradicional disclaimer e antes da chuva de críticas que, muitas vezes a coberto do anonimato, os cidadãos se permitem disparar sobre a minha classe profissional, deixo a minha – única – declaração de interesses: sou advogada mas, essencialmente, sou cidadã e, enquanto tal, não posso aceitar que um colega meu, seja ele quem for, fique completamente desprotegido numa qualquer situação de doença grave, como não posso também conceder que se ponham em causa as reformas de todos nós, para as quais descontámos, sem direito a qualquer outra protecção que seja.)

 

Foi objecto de notícia a semana passada a que, erradamente, se apelidou de primeira manifestação de advogados, com cerca de 5 mil profissionais a expressarem o seu descontentamento com a falta de protecção de que gozam. Se para o público em geral, as razões são quase desconhecidas, os advogados sabem que não têm qualquer protecção na maternidade, na doença ou no desemprego, sendo que a única certeza que tinham, até há uns anos, era a de que teriam direito a uma reforma. Nem esta, ao que parece, está assegurada, não obstante todos estarmos obrigados a pagar uma dada contribuição, calculada sobre uma presumida retribuição (que muitos não auferem sequer), a qual reverte, não para o Estado, como muitos pensam, mas para uma Caixa privada, cujas regras são de constitucionalidade mais do que duvidosa. Desde logo, a circunstância de, ao contrário do que sucede com todos os demais cidadãos, os advogados reformados, cuja pensão foi calculada com base em fórmulas quase piramidais, poderem continuar a exercer e a auferir rendimentos sem nada mais descontarem. Mas, do mesmo modo, o facto de as contribuições terem sido exponencialmente aumentadas para os não reformados, invocando-se uma alegada solidariedade intergeracional que, infelizmente, tem tido sentido único.

Enquanto as condições se agravam para os advogados no activo, mantendo-se os mais velhos e reformados nos seus castelos e invocando que todos os que clamam por alguma justiça relativa são ignorantes ou ingratos, a Direcção da CPAS mantém um registo bipolar, ora nos incentivando a ter confiança no futuro, mesmo quando a luz no fundo do túnel pode ser a de um comboio na nossa direcção, ora dizendo verbalmente que um advogado que ganha menos de mil euros deve mudar de profissão, ainda que tal suceda por ter cancro, por exemplo, em ambos os casos no tom de condescendência de quem fala com ignaros.

É certo que, idealmente, não deveríamos perturbar os senhores na sua missão de procurar cobrar o incobrável e, na sua essência, mudar apenas o que permita manter tudo na mesma. Mas, verdade seja dita, há também sempre alguém que diz não. E fomos mais de cinco mil.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.