Costuma dizer-se que Ano Novo, vida nova, não estando contudo provada esta relação causal. Na próxima semana muda o ano chinês, que entrará no Ano do Cão. Esta é uma época de renovação e muita celebração na China e em todos os países onde residem os seus nacionais. Também na sua cultura o ano novo sugere regeneração e renovação e é isso mesmo que festejam.
Muito se tem falado sobre a República Popular da China, os seus investimentos no estrangeiro e a aparentemente estranha defesa de um sistema internacional mais aberto economicamente e assente no multilateralismo em termos políticos. No entanto, nada disto é surpreendente. Os países defendem aquilo que lhes é mais conveniente. E dadas as características da economia chinesa, incluindo um mercado interno em expansão, a transnacionalidade das operações económicas interessa-lhe. Também a estabilidade garantida por um sistema internacional baseado em equilíbrios lhe é favorável, porque permite a Pequim ir negociando bilateralmente quando pode ou multilateralmente (por exemplo, com os blocos regionais) quando é obrigada.
A China tem dois grandes objetivos: unir todas as partes do seu território debaixo de um mesmo regime, incluindo Taiwan nesse processo, e expandir-se internacionalmente através dos seu softpower económico e financeiro. Interessa-lhe marcar o seu espaço vital para que outros não o ocupem e ter liberdade de ação nas geografias mais distantes. A “Nova Rota da Seda” representa essa mesma liberdade de interligar cidades-porto, através da sua vertente marítima, e cidades mais interiores na sua vertente terrestre. Ligando e colocando em comunicação o mundo nestes pontos estratégicos, a China sabe que está a caminhar para uma liderança internacional paciente e silenciosa que lhe convém. Assenta na expansão económica e retrai-se numa intenção de liderança global. Em termos geoestratégicos, os seus esforços concentram-se na região geográfica que lhe interessa e que garante que a unidade da China será exequível, bem como, que os seus competidores mais próximos não poderão exercer um contrapoder que coloque em causa os seus objetivos.
Olhando assim para a China, percebe-se que no ano passado tenha aparecido em Davos como uma defensora do liberalismo internacional. Observando um pouco os EUA, tal como agora se apresentam, também o entendemos. Este ano, também em Davos, o discurso de Donald Trump, apesar de mais conciliador, não deixou de mostrar o que os EUA. são hoje: um país virado para si e a desinteressar-se do sistema político internacional. Em Davos, os EUA. deixaram bem claro que estão mais interessados em procurar soluções para a economia nacional, do que em continuar a beneficiar de um sistema internacional liberal, embora tivessem sempre sido favorecidos por esse sistema.
Nessas omissões de presença dos EUA, em África e na América Latina, por exemplo, é deixado bastante espaço à China para se posicionar. Porque o que os EUA de Trump talvez não tenham percebido é que a China de Xi Jinping tem por objetivo uma expansão global, mas não uma liderança do sistema internacional conquistada politicamente, porque sabe que isso não obterá facilmente. Está dedicada a ocupar espaços vazios e a reanimá-los, tornando o oceano Pacífico no eixo dinâmico, em troca de uma agonia lenta do oceano Atlântico, onde estão os principais aliados dos Estados Unidos.
Quando os EUA acicatam a situação com a Coreia do Norte, entrando no espaço regional da China, estão a deslocar para ali a tensão e os olhares internacionais. A China aproveita bem esse discurso para mobilizar as forças internas em torno do regresso de todas as partes do território à mãe pátria e, em simultâneo, não descuida os seus interesses mais longínquos. Não sabemos se o cão do signo chinês irá ladrar, latir ou simplesmente fazer companhia, mas isso deverá depender da conjuntura internacional e de como os poderes concorrentes se forem posicionando.