Graziano da Silva, Director-Geral da FAO, que foi responsável pelo programa Fome Zero nos governos de Lula da Silva, esteve em Lisboa numa reunião da Comunidade de Países de Expressão Portuguesa (CPLP), onde aprovaram a Carta de Lisboa pelo Fortalecimento da Agricultura Familiar. O Director da FAO reafirmou a tese de que o problema da fome no mundo não é uma questão de produção, mas de distribuição. “Neste momento, a fome não se explica pela falta de alimentos mas sim pela falta de acesso aos alimentos. Não é que não haja produto, não há dinheiro para comprar o que comer. As pessoas não têm emprego, têm rendimentos muito baixos, não conseguem ter uma dieta saudável. Mas sobram alimentos. O mundo hoje deita fora um terço do que produz, aproximadamente.” (Público, 11FEV18) E não tem dúvidas sobre as causas e o caminho a seguir: “Desenvolvemos sistemas alimentares fortemente concentrados nas cadeias agro-industriais. Agora quem alimenta o mundo são as grandes agro-indústrias. Temos de mudar isso”.

Mesmo sem pôr os nomes aos bois, a lógica (a maximização do lucro) e a anarquia da produção das grandes multinacionais e do capitalismo transnacional, sinaliza outras consequências. Os problemas ambientais, com o uso excessivo e desregulado de químicos, a perda da biodiversidade, o afunilamento da nossa alimentação em alguns produtos, e não falando dos OGM e dos riscos do monopólio pelo patenteamento genético, refere a necessidade de preservar as sementes tradicionais. (Ver a importante série: “Semente – A história por contar”, de que a RTP 1 transmitiu o 1º. episódio no passado domingo). E defende a recuperação pelas sociedades do “domínio da alimentação” e de uma produção centrada na “agricultura familiar”.

É perante a entrevista de Graziano e um interessante infograma – “É possível erradicar a fome no mundo até 2030?” que o Jornalista Manuel Carvalho, despacha o editorial: “Uma nova Revolução Verde”. Não sabemos o que destacar. Se a repetição da mentira da dita Revolução Verde dos anos 60/70 como resposta à fome no mundo, se a santa ingenuidade e maior fé sobre a forma de contornar “o poder das multinacionais que dominam o negócio da alimentação”. Incrédulo sobre o “poder da política” (isto é, declara a impotência da democracia, dos povos, dos Estados em comandar os seus destinos), Carvalho descobre a pólvora: “Mais do que confiar no poder da política, é melhor pensar que uma grande transformação só ocorrerá quando cada um de nós for ao supermercado e preferir pagar mais por pão de cereal do Alentejo ou carne de um pequeno produtor da Galiza”. Ai dos que tiverem fome! Quem assim fala, fala de barriga cheia.

É claro que a tentativa de impor a ilusão tecnocrática – a tecnologia como resposta aos desastres do capitalismo – pretende iludir que as melhorias da situação no mundo corresponderam, no fundamental, à libertação do domínio e exploração colonial e a políticas progressistas em grandes regiões do mundo (“Fome Zero” no Brasil de Lula), pesem as imposições neocoloniais e imperialistas que se sucederam e mantêm sobre muitos povos.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.