Para mal dos meus escassos pecados (dos capitais, só sou culpado de quatro ou cinco), passei o fim-de-semana a seguir o Congresso do PSD. Como é fácil de imaginar, ninguém sobrevive incólume a semelhante experiência. E não apenas devido à degradação da sanidade mental que o suplício provoca: por ter Rui Rio em boa conta há muitos anos, tinha curiosidade em relação ao que iria dizer e fazer; depois daqueles três dias de festa, fiquei quase sem dúvidas de que, mesmo que venha a ter sucesso eleitoral, o novo líder laranja não trará nenhuma melhoria para o país.

O sarau começou com um desconhecido da Distrital de Lisboa que, em substituição do seu líder Pedro Pinto, leu um discurso de boas-vindas aos congressistas. Depois, veio a intervenção de despedida de Pedro Passos Coelho, já canonizado pelos militantes. E a seguir veio Rio, num discurso cheio de palavras de circunstância e sobre a necessidade de um “banho de ética”, logo descredibilizado pela presença ao seu lado e na direcção do partido de Elina Fraga – cujo maior problema não é sequer o passado de confronto com o anterior governo laranja, mas as práticas duvidosas de que é suspeita de ter praticado ao longo da vida. Além disso, elogiou Passos e Santana Lopes, que fingiu estar comovido, já que tinha a noção de que as câmaras de televisão estavam apontadas para si.

Enquanto os figurões do partido se entretinham a traficar influências e a comprar lugares em listas, um rol de congressistas passeou-se pelo palco e pelas televisões até altas horas da madrugada de domingo. Essencialmente, debruçaram-se sobre os destinos eleitorais do PSD, como se estivessem a falar de um clube de futebol à procura de ganhar títulos.

Pedro Duarte e Carlos Moedas (que na sua moção apresentam uma ideia – a da reforma do “Estado Social” através de um “rendimento básico incondicional” – que, concorde-se ou não com ela, merece atenção) fizeram-no com ares de quem queria “reflectir”, enquanto gente como Luís Montenegro (cujo discurso, muito elogiado, foi uma extraordinária exibição de hipocrisia), Ribau Esteves, Hugo Soares, Marco António (o de Gaia, não o romano), Miguel Poiares Maduro, Luís Marques Guedes, Morais Sarmento, Paulo Rangel, uma irrelevância que se apresentou como Miguel Pinto Luz e, claro, Santana, destilaram, descarada e despudoradamente, “politiquice” em cada uma das suas palavras.

Ouvi-los foi um exercício penoso: discutiram se o PSD deveria anunciar já ou não o voto contra o Orçamento de 2019, apesar de ninguém saber como este será. Discorreram sobre se há “Bloco Central” ou não há, e se não há, se deveria ou não haver. Rezaram abundantemente pela “união” do partido e gritaram hossanas ao “poder local” e aos “nossos autarcas” que “sentem um calor diferente” (juro). Analisaram quem teve ou não teve “coragem” de “avançar”, e quem tentou “condicionar” quem. Deu-se particular importância à questão de qual o “espaço político” que se “abre” ou se “ocupa”. E um destacado congressista (Morais Sarmento) entrou em delírios extasiados sobre “o PREC que nos querem impor” e que está a lançar Portugal “a caminho da Coreia do Norte”.

No meio disto tudo, só raramente (por exemplo, e para minha grande surpresa, na intervenção de uma tal Margarida Balseiro Lopes da JSD) os problemas e a realidade do país mereceram a atenção dos oradores. O país, naturalmente, respondeu de forma proporcional, ignorando olimpicamente o que se passou na antiga FIL. Quando, no domingo, Rio voltou a discursar, o estrago já estava feito. Não me parece que o tenha conseguido remediar.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.