Para os que ainda hoje se perguntam como foi possível a eleição de Trump ou como milhões de eleitores por essa Europa fora votam em partidos como a Alternativa para a Alemanha ou o Cinco Estrelas de Beppe Grillo, reproduzo aqui um excerto do relatório do FMI de 2017 intitulado World Economic Outlook:

“Depois de ter permanecido estável em muitos países ao longo de décadas, a percentagem de receitas anuais destinadas a remunerar o trabalho tem vindo a cair desde os anos 80. No Capítulo 3 do World Economic Outlook de Abril de 2017 analisamos como esta tendência é consequência dos rápidos avanços tecnológicos e da globalização (…).

A parte da receita dedicada a remunerar o trabalho decresce quando os salários crescem mais devagar que a produtividade, ou seja o montante produzido por hora de trabalho. O resultado é que uma fração cada vez maior dos ganhos de produtividade é destinada a remunerar o capital. E como o capital tende a estar concentrado nos escalões superiores da distribuição de rendimento, este declínio de receitas do trabalho tende a aumentar a desigualdade”.

Mais claro é impossível. Estas não são palavras de esquerdistas. É o FMI, bastião do capitalismo ocidental, organização criada para assegurar que países falidos se mantêm dentro do sistema ainda que isso signifique a imposição de duras medidas fiscais – tais como as que nos foram impostas – ou como aquelas que ainda hoje fazem sentir as suas marcas na Grécia e na América Latina.

Como portugueses devemos estar sensíveis a este tema. Apesar do efeito sedativo dos dois últimos anos, convém não esquecer que a nossa riqueza está ainda abaixo do ano 2008. Dez anos perdidos.

Esta semana vimos como o novo líder do PSD elegeu a crise demográfica como problema central do nosso país. Isto apesar de, em quatro anos de governo, ter permitido a saída de quase 400.000 pessoas, muitas delas jovens e qualificadas. Tudo para seguir as receitas fiscais do FMI e dos seus sequazes, o BCE e a Comissão Europeia, que buscavam a redução da nossa astronómica dívida. Porém, ela cresceu de 115% do nosso PNB em 2011 para mais de 130% quando se foram embora. Já agora, o Ministro das Finanças que nos meteu por aí é hoje Diretor Geral no FMI.

Portanto, estimados leitores, o FMI tem uma coisa boa: às vezes admite que erra. Infelizmente tem o hábito de apenas o fazer depois de ter espalhado as suas misérias. E foi novamente o caso com o World Economic Outlook de 2017.

Churchill dizia que se podia confiar nos americanos, acabam sempre por fazer a coisa certa depois de tentarem tudo o resto. O FMI segue a mesma regra. Depois de décadas advogando que apenas um sistema de capitalismo desregulado e liberal poderia resolver os problemas do mundo, vem agora admitir que desde 1980 – repito, 1980 – nos países desenvolvidos, quem trabalha está cada vez mais pobre e quem tem capital está cada vez mais rico. Não levemos a mal… apenas levaram 37 anos a admitir o problema.

Estou ansioso por ver que remédio nos vão agora propor!