O único ponto que verdadeiramente teve forma e conteúdo político na última semana foi o discurso de Pedro Passos Coelho no Congresso do PSD. Na forma foi um exemplo de como deve ser um discurso político: argumentado, directo e violento (porque a política não é para flores de estufa) sem ser ofensivo. No conteúdo transmitiu uma mensagem que ficará na memória de quem o escutou ou leu.
Passados quase 15 dias, o que ficou na minha memória foi isto: “São vários os ministros e os secretários de Estado deste Governo que levaram o país quase à bancarrota em 2011. Não houve até agora um pedido de desculpa, um arrependimento! Quem nos garante que isto não volta a acontecer: eles são os mesmos! Os mesmos que levaram o país quase à bancarrota. Os que agora pregam moral e explicam as maravilhas do crescimento”.
Aqui está todo um anátema que se cola à pele de quem hoje nos governa e da qual “os mesmos” não se libertarão nunca. Dele não se libertarão enquanto lá estiverem e com ele viverão depois de lá saírem, sobretudo se, como é certo, não existir arrependimento. Já não falo sequer dos “mesmos” voltarem a conduzir tudo à bancarrota (o célebre “chifrudo” de que ninguém quer ouvir falar…). É claro que se isso acontecer, para mal de todos nós, a frase não só entrará na História como se arrisca a constar, e não seguramente em pé de página, de todos os manuais escolares dos nossos filhos e netos.
Mas nem é necessário chegar a esse cataclismo. Bastará, singelamente, que os “mesmos” se limitem a governar com um único objectivo: ganhar eleições daqui a ano e meio. Que é o que vem acontecendo de há dois anos a esta parte e que continuará até ao dia em que lancemos o voto na urna, lá para meados de 2019.
Não é preciso investigar muito, nem sequer esmiuçar na política económico-financeira e orçamental. Este é, aliás, o domínio acabado, explícito e sem disfarces do eleitoralismo: “gasta o que tens e o que não tens, endivida-te à tripa forra como se não houvesse amanhã que eu vou ali chefiar o Eurogrupo e já venho”. Mas se olharmos para os outros campos de actuação, como a Segurança Interna, a Saúde, a Educação ou a Agricultura, tudo tem o seu tom eleitoralista, polvilhado de medidas avulsas para contentarem o pagode até às eleições. E quando assim não é lá surgem medidas legislativas pontuais e absurdas, ou então pretensões “reformistas”, quase todas elas subordinadas ao lema da reversão das “malfeitorias” do governo anterior (se é que ainda existe alguma coisa para ser revertida…).
E para sermos mais precisos e analisarmos um tema concreto e actual, basta atentar no que nos espera em matéria de seca nos próximos tempos. Suponho que no tempo da minha vida, e já cá ando há algumas décadas, não há registo de catástrofe existente e anunciada tão evidente. Todos o dizem, dos meteorologistas aos agricultores, passando pelos empresários e especialistas da água. Alguma medida de fundo foi anunciada? Alguma previsão orçamental quanto à despesa a afectar com soluções de novas captações de água (dessalinizadoras, barragens, etc.)? Algum plano a médio ou longo prazo? Nada. A única medida é aguardar… que chova!
Não sei bem se Rui Rio se apercebeu, mas ao bater pressuroso à porta dos “mesmos” para dizer que estava disposto a negociar “reformas de regime”, ouviu-se uma gargalhada geral. Não haverá qualquer reforma, como é óbvio, apenas uma frenética contagem decrescente com um olho nas sondagens e outro na propaganda, sem arrependimentos, até às eleições! Não tenhamos ilusões, “eles são os mesmos”!
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.