Em contexto económico designa-se tempestade perfeita à simultaneidade de um conjunto de factores adversos como fraco crescimento económico, quebra do investimento e défice público.  Foi assim há bem pouco tempo em Portugal.

Parece-me que daqui a 10, talvez 15 anos, teremos uma nova tempestade perfeita mas desta vez de cariz social ou de base social, e que se tornará igualmente económica. Senão vejamos. Pela velocidade a que assistimos à evolução da Inteligência Artificial (IA), daqui a 10/15 anos estarão reunidas três condições:

  • Máquinas a substituir milhares de pessoas em dezenas de empregos (a nível mundial poderemos certamente estar a falar de dezenas de milhões);
  • Menor taxa de natalidade de sempre (Pordata: 0,84% em 2016 contra 2,41% em 1960);
  • Mais elevada esperança média de vida de sempre (dados de 2017 anunciam 77,61 anos para os homens e 83,33 para as mulheres no triénio 2014-2016).

A Amazon tem 1.000 pessoas a trabalhar exclusivamente em IA; 20 armazéns da mesma Amazon têm 45.000 robots que, sem qualquer intervenção humana, conduzem as encomendas para expedição.

A equipa de researchers em IA do Facebook desligou (literalmente) um mecanismo de IA quando percebeu que os bots tinham desenvolvido uma linguagem própria, sem intervenção humana e incompreensível pelos humanos.

Muitas empresas já utilizam (chat)botschats que interagem consigo em muitos dos sites que visita, desde o IKEA à American Express (primeira instituição financeira a aderir ao chatbot), da Uber ao EBay.

A completa alteração de paradigma a que assistimos na mobilidade é outro exemplo – os veículos autónomos, em especial os de mercadorias, deixarão milhões de motoristas sem emprego. Em termos sociais, isto pode revelar-se uma catástrofe se não agirmos rapidamente.

A segurança social enquanto garante da protecção social, igualitária e promotora do bem-estar por recurso a princípios de solidariedade intergeracional, apresenta-se já de difícil sustentabilidade, assistindo-se anualmente à revisão em alta da idade da reforma e em baixa do valor das prestações.

Com as mudanças que se avizinham, todo o racional subjacente à estrutura de impostos terá de ser revisto já que o número de activos virá, a prazo, a ser muitíssimo inferior ao que é hoje e a sua substituição por máquinas não está, per se, sujeita a imposto. As máquinas não descontam para a segurança social nem são sujeitos passíveis de IRS.

Mesmo que se mantivesse esse pagamento, ou seja, mesmo que a empresa mantenha as contribuições feitas até então, quer respeitantes à própria empresa quer por conta dos trabalhadores, não prejudicando assim as entregas totais ao Estado, mas elevando da mesma forma o lucro (por “reterem” o valor da remuneração dessas mesmas pessoas para si), tenho dúvidas sobre a sua forma efectiva de controlo, bem como a sua exequibilidade real.

Acérrima defensora da redução da carga fiscal, quer para empresas quer para pessoas singulares, julgo que a alteração que aqui deve ser introduzida terá de ser mais profunda, devendo implicar a revisão global da estrutura de impostos aplicada às empresas, centrada no valor acrescentado bruto e – aproveite-se – uniforme entre estados membros da União Europeia, para desincentivar a deslocalização das sedes fiscais.

As receitas desta medida reverteriam pois para a segurança social, substituindo num primeiro momento as contribuições extintas pela saída de trabalhadores, visando a sustentabilidade da mesma. Todavia, e a longo prazo, representariam o início de uma profunda alteração de paradigma fiscal.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.