(Morreu Manel Reis, o visionário. Do [meu preferido] Frágil ao Lux, começou por revolucionar a noite de Lisboa mas não se limitou a isso. Fez-nos sair do espectro dos vícios privados e, mesmo sem se aperceber, foi um dos principais responsáveis pela igualdade, pela música e por um certo lado hedonista sem o qual a vida não vale a pena. Obrigada, Manel. Parte das conquistas dos que advogam a não discriminação, seja a que título for, tem o teu cunho, embora nunca tivesses reclamado a autoria).

 

Marcus Tullius Cícero disse que não havia diferença de monta entre um juiz perverso e um ignorante. Discordo. Um juiz perverso é substancialmente pior que um ignorante, desde logo porque o último tem solução mas nada nos vale quanto ao outro.

Na sequência de uma série de programas sobre crianças retiradas às mães e em que o CEJ, ou seja, a escola de juízes, foi criticada, opinião que nem subscrevo na íntegra, criou-se uma vaga de fundo desta classe profissional contra os participantes nos ditos programas. Curiosamente, ou talvez não, a maior parte dos senhores juízes, em vez de discutirem as posições que foram expressas, optou por tentar atingir as concretas pessoas dos intervenientes dos ditos programas, lançando atoardas que, parece-me, não seriam toleradas se tivessem a beca vestida e, menos ainda, se lhes fossem dirigidas.

Para quem, como eu, ficou a assistir à publicação de sucessivos insultos, incluindo a um seu Colega, Juiz Desembargador, e à quase total ausência de discussão das ideias, é inevitável a estupefacção perante o que aquelas almas escreveram, já que lhes compete (também) julgar comportamentos menos graves do que aqueles.

Fazendo notar que, ao contrário deles, tento não tomar a árvore pelo todo, isto é, não achando que são todos iguais, a verdade é que, por ter dessa classe uma visão muito favorável, fiquei siderada com o que foram capazes de escrever. Daí que, após ler ataques soezes aos mensageiros e nenhuma tentiva de aferir onde eles próprios poderiam ter errado, tenha terminado a perguntar-me quem nos salva deles (isto é, de alguns dos juízes), convencidos que estão que pertencem a uma qualquer casta impoluta, que nunca erra e que parece considerar que tem o toque de “midas” na transformação de processos em sentenças para a estatística.

Com o devido respeito, perante os casos que têm vindo a lume, um grupo profissional que produziu aquelas decisões e que nem sequer se questiona se pode ter, pelo menos, contribuído para uma qualquer injustiça (e bastaria uma…) não tem a condição de juízes mas de meros justiceiros. E, quanto a estes, o único de que gosto é aquele que, há três décadas, tinha um carro bem catita, que vinha quando era chamado e era mais educado do que estas pessoas mostraram ser.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.