Num tempo em que tanto se fala de notícias inventadas, vale a pena viajarmos pela invenção das notícias. Como surgiu esta necessidade de nos mantermos informados? Como e de que forma mudaram os consumos da informação? Até que ponto a manipulação e a criação de notícias falsas e boatos é algo de novo? O que mudou nestes últimos anos na relação entre comunicação, economia e política? Estas são algumas questões-chave para se compreender o processo comunicacional atual e, sobretudo, para entendermos como aqui se chegou.
Quando chegam à imprensa notícias como aquela em que o governo britânico refere Portugal como um destino passível de ocorrência de atentado terrorista, até que ponto existe a criação de uma notícia? Em que factos foi baseada a informação e de que forma chegou aos meios de comunicação social? Estaremos em presença de uma nova prática? Quando Donald Trump insiste na questão das “fake news” do que está realmente a falar? Estamos, decerto, a reportar-nos a um problema antigo, a relação entre política e comunicação social, algo que desde há muito é ponto assente. Viajemos, então, no tempo e no espaço para melhor percebermos esta realidade.
Quando tudo começou
Na verdade, a circulação de notícias é um fenómeno tão antigo como a comunicação humana. Sabemos que as notícias circulavam através de mensageiros e que a sua credibilidade repousou, durante muito tempo, na confiança que se tinha em relação ao mensageiro. Por um lado, existiam os mensageiros contratados que circulavam numa rede de contactos, indo de terra em terra e anunciando as novidades. Em geral, estavam ao serviço do poder político ou do clero. Por outro lado, havia aqueles que circulavam de terra em terra em virtude da sua profissão e também eles faziam circular o que ouviam nos diferentes lugares. Enquanto dominou a oralidade, era o mensageiro que imprimia verdade à notícia. Aos mensageiros oficiais era natural dar-se mais credibilidade que aos mensageiros informais que, de passagem, contavam o que viam e ouviam.
Nestes tempos, ainda medievais na Europa, a manutenção das redes de mensageiros constituía um custo e apenas com o fortalecimento da classe mercantil as notícias foram monetizadas, isto é, cobrava-se para dar as notícias. Segundo Andrew Pettegree (2015), foi nas cidades mercantis italianas que, pela primeira vez, se venderam notícias ligadas às questões de comércio.
Lentamente, a notícia falada é substituída pela notícia escrita, embora tivesse levado algum tempo para que este processo fosse aceite e a imprensa fosse incorporada como uma fonte fidedigna de notícias. Primeiro através dos panfletos que entre notícias, tentavam persuadir o leitor, da verdade que ali escreviam. Parte da história da Reforma e da Contra-Reforma faz-se através destes panfletos, posicionando reformistas, clero e Estados. Apenas no século XVII surgem os primeiros periódicos e devagar se vai criando a necessidade de consumo de notícias periódicas. Contudo, estas publicações só ganham fôlego no século XVIII, contribuindo para aquilo que constitui a formação de uma opinião pública. É também nos finais deste século que os editoriais dos jornais ganham importância, o que também está ligado à liberdade de imprensa e à independência que os escritores de jornais começam a reivindicar.
A tecnologia avança e o jornal tende a aumentar a sua periodicidade, de semanário começa a tentar ser diário. O século XIX vê surgir o termo jornalismo, como as notícias do dia. O telégrafo, o barco a vapor e o caminho de ferro aumentavam freneticamente o ritmo das notícias. A impressão era agora mais rápida e o papel embaratecia, permitindo a mudança relativamente ao público-alvo. As elites deixavam de ser os leitores únicos do jornal, e este tornava-se popular e adaptado a vários tipos de leitura. Esta democratização levou ao surgimento de novos projetos editoriais e ao desenvolvimento de outras facetas da imprensa que se tornou mais previsível, porque tinha uma periodicidade estabelecida, que controlava os seus próprios conteúdos e investia no entretenimento do leitor.
O tempo e o espaço, dois elementos fundamentais para o exercício do jornalismo, encurtavam-se, as distâncias tornavam-se transponíveis. A circulação de bens, pessoas e ideias ganhava ritmo, porque as carreiras marítimas a vapor, os comboios e os telégrafos tinham períodos de funcionamento estabelecidos.
Ao localismo, que é a alma do negócio da informação, junta-se a possibilidade de previsibilidade de contactos no seio das redes transnacionais de informação (desde sempre ativas, mas com periodicidade incerta.)
Os jornais, a economia da informação e os eventos mediáticos
Esse novo tempo, inaugurado pelo século XIX, trouxe uma outra perspetiva sobre o mundo, em que a informação desempenhava um papel preponderante para o funcionamento político, mas também para um mercado que se globalizava e para economias que competiam entre si. Os jornais tornaram-se mais independentes do poder político, mas também mais integrados numa lógica de mercado que os obrigada a procurar anúncios, por exemplo, a ter bem definidos os seus leitores e a procurar estratégias de fidelização junto do seu público.
A segmentação de públicos deu origem a diferentes tipos de títulos. Uns mais populares, assentes no baixo custo e dirigidos a camadas mais populares da população. Outros mais elitistas, desempenhando um papel decisivo na reivindicação política, social e económica. Outros ainda mais voltados para a cultura, as artes e para a ciência que se afirmava e a modernidade que despontava. Esta diversidade ia permitindo um espaço público que hoje chamaríamos esfera pública e aí era lançado o debate à sociedade. É neste contexto que passa a ser comum os “jornais lerem-se” uns aos outros e remeterem para a informação dada por outro título periódico nacional ou estrangeiro, ou encetarem polémicas relativas a opiniões emitidas para este espaço público que se transnacionalizava, fosse através destas redes informacionais, fosse através da afirmação dos nacionalismos e impérios europeus.
A velocidade e proximidade que as notícias ganhavam com as inovações tecnológicas aplicadas tanto à sua produção como à sua circulação (telégrafo, imprensa mecanizada, papel oriundo da pasta de celulose, barco a vapor, os caminhos de ferro) inauguraram novos desafios. Havendo mais intermediários na produção da notícia, esta poderia ser mais facilmente manipulada, deformada e objeto de rumor, de forma voluntária ou involuntária. O secretismo do mensageiro perdera-se nesta nova sociedade voltada para a informação, em que as notícias eram pagas e apreciadas enquanto tal. Aceder à notícia mais recente ou mais reservada era uma arma usada pelos jornais para atraírem mais leitores.
O jornal passa então a estar envolvido nos atos sociais, culturais e científicos da comunidade ou país em que se insere, dependendo da sua vocação mais ou menos local. Patrocina expedições, não informando apenas sobre o decorrer das mesmas, mas antes angariando fundos e concedendo verbas próprias, como são os casos, em 1911, da exploração do Pólo Sul levada a cabo por um norueguês ou, em 1924, a viagem aérea Lisboa-Macau protagonizada por três portugueses. O desenvolvimento das técnicas de reportagem e a forte ligação aos leitores tornavam o jornal num ator com poder político, de tal forma que mantinha relações umas vezes de tensão, outras vezes de convivência e outras vezes ainda de profunda cumplicidade.
O mundo tinha mudado e a conceção de notícia também. Esta era agora um bem transacionável cujo valor económico, social e político eram notórios. Os mercados, os impérios coloniais, os nacionalismos, a competição científica e tecnológica não teriam sido o que foram sem este meio de comunicação, cada vez mais universal e transversal interna e externamente. Estar informado fazia parte da capacitação para participar nos destinos da sociedade e passou a ser um requisito para o exercício de algo que despontava persistentemente, a cidadania.
Da literacia ao conhecimento
Se a literacia permitiu alargar os leitores dos periódicos e tornar o mercado da informação vivo e dinâmico, a procura de conhecimento também pautou sempre o exercício da atividade da imprensa. Desde cedo, a imprensa foi vista como uma forma de informar, mas também de expandir conhecimento e de popularizar o saber. Assim se justifica a edição de periódicos específica ou parcialmente dedicados à cultura, à arte, à ciência e à tecnologia.
Os centros urbanos atraíam a população e tornavam-se grandes aglutinadores do ensino das camadas mais populares, apoiando-se na imprensa e na formação de escolas para adultos. O trabalho de muitos cientistas e professores, dedicados à disseminação do conhecimento, ia lançando as suas sementes.
Quando a tecnologia entrou no quotidiano das pessoas, percebeu-se que não chegava apenas a literacia e a capacidade de receção da informação e conhecimento. O valor do trabalho estaria no próprio conhecimento e passou-se a falar de uma sociedade do conhecimento. Nessa sociedade, os papéis de produtor e consumidor de notícias confundem-se. A tecnologia digital superou em rapidez e capacidade de transpor a distância as antigas tecnologias e, tal como o telégrafo tinha anunciado os maiores riscos de boato e manipulação da informação, a internet colocou o desafio da proliferação da desinformação e da contrainformação. Mas serão estas práticas uma novidade?
Comunicação e política
Desde o período da transmissão oral das notícias que existem rumores e a manipulação de notícias. Algumas obras recentes apontam para a existência de um cuidado especial por parte de alguns poderes medievais europeus com esta questão, mas um exemplo apontado como prova da construção de notícias falsas foi o rumor colocado a circular de que a Invencível Armada tinha vencido a batalha naval contra a Armada Inglesa. Esta notícia circulou na Europa continental sem provocar qualquer sobressalto. E porquê? Por duas ordens de razões: uma porque interessava ao poder político filipino manter essa ideia para garantir as fronteiras do Império, outra porque era aceitável na mentalidade da época que esta Armada tão grandiosa tivesse derrotado a Armada inglesa. Isto quer dizer que a mensagem ou notícia é bem-sucedida quando a fonte parece credível ao recetor e quando o seu conteúdo parece verosímil.
A partir do momento que se aperceberam desta conjugação entre credibilidade do emissor e verosimilitude do conteúdo, o poder político, independentemente do regime ou sistema, aprendeu rapidamente que a comunicação era uma ferramenta essencial para melhor influenciar a sociedade. A criação da esfera pública só veio aumentar essa necessidade de interação permanente.
E se internamente é a esfera pública que leva a esta ligação à comunicação e seus meios, externamente percebeu-se que, primeiro, a imprensa, e depois as rádios e as televisões eram um excelente instrumento para influenciar a diplomacia, para lançar debates externos e mobilizar opiniões. Claro que os meios de comunicação social não são passivos, mas recebem estrategicamente algumas novidades que podem transformar em notícia e influenciar os processos políticos internos e externos em curso.
O que mudou então? O número e credibilidade dos emissores e a verosimililhança dos conteúdos, numa sociedade em que a voracidade do tempo leva os media tradicionais a seguirem os ritmos e métodos dos media sociais. Num tempo em que todos podem ser emissores e recetores em simultâneo, tudo parece ser possível, porque é contado e vivenciado na primeira pessoa. E é nesta coordenação entre local e internacional, entre credibilidade e verosimilitude que se poderá, talvez, encontrar a resposta para os desafios do jornalismo atual.