Os bancos desempenham um papel primordial no financiamento da economia portuguesa. Se as grandes empresas têm, regra geral, facilidade de acesso a financiamento, quer no sistema bancário, quer nos mercados de capitais, as pequenas e médias empresas, sentem, não somente mais dificuldades de acesso ao crédito bancário, como o mercado de capitais é praticamente inexistente para o seu financiamento, não obstante haver já, neste mercado, diversas iniciativas que procuram atender às necessidades destas empresas.
É por isso vital que a banca seja sólida do ponto de vista económico e financeiro. O relatório do Banco de Portugal (BdP), “Sistema bancário português: desenvolvimentos recentes”, do 3º trimestre de 2021, fornece informação relevante sobre o nosso sistema bancário nos anos recentes, a qual pode ser interpretada como positiva. A informação nele contida traduz o corolário da atuação dos bancos, desde a crise de 2008/2009, nomeadamente ao nível da melhoria dos rácios de solvabilidade, da desalavancagem, e de uma melhor e mais adequada gestão dos riscos, o que permitiu recuperar a confiança dos agentes económicos.
Neste documento, o BdP destaca alguns indicadores sobre o nosso sistema bancário: (i) uma melhoria dos rácios NPL – non performing loans, que medem a proporção de créditos não produtivos em relação ao total do crédito. Este indicador passou de um valor de 13,3% em 2017 para um valor próximo dos 4%, em finais de 2021; (ii) uma melhoria da rendibilidade do ativo e da rendibilidade dos capitais próprios; (iii) uma estabilidade nos resultados de exploração durante o período 2017 a 2021; (iv) uma evolução favorável do rácio cost-to-income, que desce desde 2018, revelando um aumento da eficiência na utilização dos recursos; (v) e um rácio de solvabilidade que cumpre as exigências do regulador, assinalando-se a sua evolução ascendente, desde 2018, atingindo o valor de 15,2, em 2021.
É neste quadro favorável que se levantam algumas questões sobre o financiamento da economia, e que podem divergir quando se analisa o momento antes e o momento depois da crise internacional atual, decorrente da guerra na Ucrânia.
Antes de 24 de fevereiro a discussão centrava-se em como operacionalizar a recuperação económica pós-Covid, salientando-se como temáticas, (i) como e com que mecanismos podiam os bancos apoiar as PME no processo de recuperação económica, (ii) a existência de tensões inflacionistas, motivadas por um aumento da procura não acompanhada pelo lado da oferta, devido a problemas nas cadeias de abastecimento, vistas por muitos como transitórias, de algum modo afastavam o cenário de subida das taxas de juro pelo BCE, que a ocorrerem teriam impactos indesejáveis sobre o preço do crédito praticado pela banca; (iii) e um PRR, cuja execução teria um efeito de spillover benéfico sobre a economia, mobilizando as empresas de vários setores de atividade para o aumento da sua produção, à qual não se dissociava da necessidade de recurso a crédito.
Depois de 24 de fevereiro as circunstâncias alteraram-se, tendo-se instalado um contexto de grande incerteza sobre a evolução da economia mundial e em particular sobre a recuperação esperada para a economia portuguesa.
A subida dos preços da energia e das principais commodities, provocará certamente efeitos permanentes sobre a taxa de inflação, podendo, por um lado, aumentar o crédito não produtivo, por incapacidade das famílias e das empresas solverem os seus compromissos financeiros e, por outro, pressionar o BCE a subir as taxas de juro, aumentando as dificuldades de financiamento da economia.
Neste contexto, como desempenhará a banca o seu papel de intermediação financeira? A sua solidez parece ser um facto, recursos para a concessão de crédito não faltam, mas o financiamento da economia pode sofrer algum revés. Estes são alguns aspetos que acrescem a outros e que ensombram a recuperação da economia portuguesa.