Regressemos ao BES/Novo Banco, que já aqui foi tema tratado por duas vezes, para testarmos uma perspectiva diferente. Muito oportuno, na semana em que foi anunciado que a KPMG pode ser acusada por não ter detectado, nas suas auditorias, os problemas do banco.
O consenso vigente, subscrito pelo Banco de Portugal e pelo seu patrão europeu (o BCE), pelos responsáveis políticos e pela maioria dos analistas económicos, considera inevitável a nacionalização do BES e a sua transformação em Novo Banco.
Um misto de má gestão, de fraude e de problemas financeiros forçaram a intervenção, que foi o menor dos males e o que menos prejuízos trouxe para o país. A única solução para evitar que a quebra do BES contagiasse todo o sector. Um motivo, também, para o BCE justificar uma profunda alteração da supervisão.
Retenhamos as ideias-chave: a) a culpa foi da gestão e de um auditor distraído; b) a intervenção era inevitável e a solução com menos custos, e c) evitou males maiores para o país e pôs a salvo o sistema bancário português. Vejamo-las ponto-a-ponto.
1. É indesmentível que houve erros de gestão, derivados de um modelo de negócio que levou ao tapete, não só o BES, mas o Millennium bcp, o BPI, o Banif, o Montepio e a própria Caixa Geral de Depósitos, para ficarmos apenas em território nacional. Mas podíamos juntar à lista alguns gigantes europeus, como o Lloyds ou o Royal Bank of Scotland, e até o Deutsche Bank, praticamente todas as caixas espanholas e a maioria dos bancos italianos e gregos. Quanto ao auditor distraído? Nem todos os bancos referidos eram auditados pela KPMG, ou seja, andavam todos os auditores distraídos. Mais grave, no entanto, é o enorme falhanço do supervisor. Ou seja, o próprio Banco de Portugal. Também vai a tribunal?
2. Quanto à intervenção, ela era evitável e não foi, nem de perto nem de longe, a melhor das soluções. Sabemos hoje que, na altura, nem estava sequer finalizado o quadro jurídico que a tornava real e que foram precisas horas extras de trabalho, em Lisboa e Bruxelas, para que ela pudesse acontecer. Foi uma solução nunca testada, uma experiência. E uma experiência que correu bastante mal.
3. Bastante mal porque implicou custos pelos menos dez vezes superiores aos de uma não intervenção (No problem, pagamos nós, os contribuintes) e que arrasou não só com o maior banco privado de raiz portuguesa, como o maior grupo económico português, arrastando consigo os hotéis Tivoli, a companhia de seguros Tranquilidade, vários grandes projectos agrícolas e imobiliários. Negócios que, todos eles, sem excepção, acabaram vendidos por uma fracção do seu valor a novos accionistas estrangeiros. Quanto ao efeito corta-fogo para salvar os outros bancos, acho que basta lembrar o que se passou com o Banif, o Millennium bcp, o BPI, o Montepio ou a própria CGD. Todos eles, com excepção do banco público, desaparecidos em combate ou vendidos a estrangeiros.
E a defesa do interesse nacional? A mentira aos contribuintes de que não seriam chamados a pagar a nacionalização? As falhas do departamento de supervisão do Banco de Portugal? Ninguém é responsável? Ninguém vai preso? E não me estou a referir à gestão do antigo BES ou da KPMG…
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.