Muito se tem falado nos últimos dias sobre a legalidade dos registos gravados em vídeo e áudio dos interrogatórios dos arguidos e dos depoimentos das testemunhas alegadamente envolvidos na “Operação Marquês”. A primeira interrogação que se coloca é se tais gravações são permitidas por lei. Desde 2013 que, em face da alteração do Código de Processo Penal, os interrogatórios dos arguidos prestados na fase de investigação deverão ficar registados, em regra, em áudio ou audiovisual.

O objetivo desta alteração legislativa prendeu-se com o facto dos interrogatórios feitos por um juiz ou um procurador ao arguido acompanhado pelo seu advogado, poderem ser usados na fase de julgamento, evitando assim a repetição dos mesmos e tornando a justiça mais célere. Com esta norma é possível conferir mais direitos aos arguidos, propiciando-lhes prestar declarações num ambiente menos intimidatório, com menos hipóteses de “suspeição” relativamente à forma como são conduzidas as diligências de prova, e possibilitando ao tribunal assentar a sua convicção num depoimento gravado que é sempre mais completo e menos imperfeito do que um auto redigido.

Sabendo que as gravações são permitidas por lei, em que condições deverão ser tornadas públicas? A transmissão destas imagens deve ser sempre autorizada pelo tribunal com o consentimento do arguido. Este consentimento visa assegurar, para além da proteção da reserva da imagem do visado, os mais elementares direitos de defesa do arguido que ficam, necessariamente, fragilizados em face da exposição a que é sujeito e da censura pública de que será alvo. Aliás, caso não haja o devido cuidado no tratamento destes casos por parte dos tribunais, podemos correr o risco de os próprios arguidos hesitarem em prestar declarações e isso prejudicar a produção de prova, comprometendo o esclarecimento da verdade.

A terceira interrogação que se põe é se houve interesse público suficientemente relevante para legitimar a transmissão das imagens pelas estações de televisão. O interesse público da reportagem é indiscutível não só porque se trata de transmitir, entre outros, o depoimento de um ex-primeiro-ministro que alegadamente terá cometido ilícitos criminais no exercício das suas funções, como o que estão em causa são questões de relevância nacional.

Mas terá sido corretamente pesado o equilíbrio entre esse interesse público e o direito da reserva de imagem dos arguidos? Aqui há que distinguir o arguido José Sócrates dos restantes. No caso do ex-primeiro-ministro, que sempre utilizou os meios de comunicação social para expressar as suas posições de defesa, a reserva da sua imagem assume uma dimensão diferente da de outros inquiridos que não apareceram nos media e, nessa medida, é mais defensável afirmar, no caso dele, que esse equilíbrio existiu.

Perante estes factos cumpre agora ao Ministério Público, que já abriu o inquérito, investigar a divulgação dos interrogatórios, considerando que relativamente aos arguidos que não consentiram, a divulgação das suas declarações “está proibida” por lei.