Henry Kissinger, o Secretário de Estado que marcou a política externa americana na segunda metade da década de 60 e primeira de 70, e que geriu as relações externas sozinho quando Nixon estava no pico da crise Watergate, sugeriu – exemplo de realpolitik – que a Ucrânia devia aceitar ser neutral e perder território para a Rússia. Não feliz com isto, acrescentou que não devia ser imposta à Rússia uma saída da guerra em que pudesse parecer derrotada. Só assim a Rússia seria apaziguada e teríamos paz na Europa, o que pensam os ucranianos é irrelevante.
Aceitar este argumento não só vai contra a evidência da História, como vai contra as motivações de Putin e atribui-lhe caraterísticas morais que ele não tem – como se pode imaginar que tem limites quem manda assassinar opositores, deporta populações, usa cibercriminosos para interferir em eleições e referendos noutras terras e bloqueia portos e causa a fome para chantagear países? O único limite que o homem conhece, se existe, é a derrota, e só a derrota dá alguma garantia da sua não reincidência.
Admira como Kissinger toma tal posição, mas ele não é reconhecido pela justeza das avaliações. Kissinger considera que a Rússia acabará a guerra quando o desgaste com ela puser em causa o seu estatuto de superpotência. O corolário é que só acabará com a Ucrânia anexada ou gerida por um Lukashenko. Agora que está a ter as primeiras vitórias no terreno, o verdadeiro teste virá quando acabar a “conquista” do Donbass e avançar sobre Odessa. Ver-se-á se alguma vez pensou parar.
A “New Yorker” publicou um excelente artigo de Thomas Meaney sobre Kissinger, que traça a sua vida, desde a fuga da Alemanha, pouco antes da Kristallnacht, para um bairro em Washington Heights onde viviam tantos imigrantes alemães que era conhecido como o Fourth Reich, com opiniões de defensores e críticos.
Aparentemente, a crítica tem aumentado à medida que mais documentos da Administração são divulgados. Um exemplo é “the main display of Kissinger’s ‘realism’ was in the management of his own fame”. Num registo mais velhinho, a revista “Politico” de outubro de 2015 dá-nos a apreciação de dez historiadores, cujo balanço é claramente mais negativo: David Greenberg chega a classificá-lo como “the most overrated public figure of our times”.
Uma anedota que me recordo da juventude é quando, num avião onde iam Kissinger, um padre e um jovem meio hippie, o piloto atravessa a cabine, abre a porta e diz, antes de saltar: “o avião vai cair. Estão aí dois paraquedas, decidam quem fica com eles”. Kissinger agarra um, vai para a porta e diz: “eu sou o homem mais inteligente do mundo, não posso morrer.” E saltou. O padre diz então ao jovem: “bem, eu sou idoso, tenho uma missão de sacrifício, é melhor você agarrar no paraquedas e saltar”, ao que o jovem respondeu: “não há problema, padre. O homem mais inteligente do mundo saltou com a minha mochila.”
Pois, na Ucrânia Kissinger está a saltar com a mochila.