Quem tenha visitado Londres e andado de metro terá ouvido as palavras de aviso “Mind the Gap” como advertência sobre o fosso existente entre o metro e a plataforma de embarque. Esta recomendação, da forma como está formulada, remete-nos para além das questões associadas ao perigo iminente do vão existente que necessita ser tido em consideração.
Esta analogia serve de base para a necessidade de nos importarmos com as lacunas existentes entre as competências digitais que temos e aquelas que são necessárias, para perceber as tendências atuais e para melhor podermos projetar direções para o futuro.
A digitalização rápida e generalizada mudou a natureza do trabalho e as competências digitais são agora consideradas como essenciais para a força de trabalho moderna. Tendo em consideração que as economias mais resilientes serão aquelas que conseguirem estabelecer uma liderança clara no desenvolvimento de competências digitais (num cenário de mercados de trabalho globais em transformação, indústrias e economias “interrompidas” pela Covid-19 e agora pela guerra na Ucrânia, em que a procura de pessoas com competências digitais é superior à oferta existente), isto coloca uma pressão dupla: nas pessoas e na economia.
Mas qual é o panorama no que toca às lacunas de competências digitais? O que está a impulsionar este fosso? E como se podem posicionar as organizações para abordar esse vazio?
O panorama é o de uma rápida, acelerada e generalizada digitalização que mudou a forma como trabalhamos. Existe uma maior procura de colaboradores com competências digitais e a procura já excede mesmo a oferta. Há uma maior consciencialização da importância das denominadas soft skills, vistas como facilitadoras no processo de transição digital. A isto soma-se ainda a crescente noção que a existência de um fosso de competências digitais tem associado um custo económico elevado.
O que parece estar a impulsionar este fosso? A crescente digitalização e a implementação de tecnologias emergentes que fez aumentar a procura por competências digitais; as desigualdades sociais que afetam o desenvolvimento deste tipo de aptidões; a falta de adaptação ágil face aos novos ambientes, mercados e novas formas de trabalho; a pandemia e o facto dos meios tradicionais de educação, por si, não estarem a ser suficientes para acompanhar as necessidades relacionadas com as competências digitais desejáveis.
Algumas das respostas passam por iniciativas que promovam o Upskilling e o Reskilling, como forma de diminuir a curva de aprendizagem associada ao domínio dessas competências: a criação de iniciativas de inclusão digital para ajudar a desenvolver este tipo competências e a adoção de aprendizagens ao longo da vida, apostando assim nas pessoas como principais veículos de transformação e transição digital.
Considerando que competências digitais são aquelas que permitem às pessoas gerir e processar dados, que possibilitam a comunicação e a colaboração através de dispositivos digitais e que contribuem para a criação de conteúdos digitais, torna-se importante que estas ações sejam realizadas de forma segura e legal com o intuito de resolver problemas, contribuindo para uma autorrealização mais eficaz. O foco dado às dimensões relacionais, de responsabilidade e desenvolvimento pessoal, social e profissional torna-se assim determinante na forma como seremos capazes de ultrapassar este fosso.
Desta forma, a formulação “Mind the Gap” é feliz porque nos remete para uma grelha de leitura desta realidade que nos obrigue a processar para além das dimensões técnicas as dimensões ligadas às emoções, equidade, valores e éticas como agentes diferenciadores no processo de tomada de decisão. Este sim, o derradeiro critério de qualidade, independentemente do contexto onde qualquer problema se coloque.
O autor assina este artigo na qualidade de responsável pela relação entre a psicologia e a tecnologia na Ordem dos Psicólogos Portugueses.