O flattening da curva das taxas de juro do mercado obrigacionista norte-americano tem suscitado alguns receios entre os investidores. A teoria geral diz que as taxas de juro de longo prazo tendem a ser um bom proxy das expectativas do potencial de crescimento nominal de uma economia, enquanto as taxas de juro de curto prazo tendem a estar mais correlacionadas com as taxas de juro directoras do banco central.
Se o diferencial entre o longo e o curto prazo se aproxima de zero significa que, segundo as expectativas dos investidores, o potencial de crescimento de longo prazo é pouco mais alto que as taxas de juro de curto prazo. O que, por sua vez, significa que um passo em falso por parte do banco central, para tentar conter a inflação, por exemplo, pode suscitar uma recessão cíclica. Resumidamente, se o diferencial entre o longo prazo e o curto prazo se está a aproximar de zero (flattening da curva), podemos estar perto de uma recessão cíclica.
A teoria tem lógica, naturalmente, mas não deixa de ser uma forma bastante genérica/vaga de encarar os factos que temos pela frente. O flattening da curva foi realmente um bom indicador de recessão económica ao longo das últimas décadas, mas em nenhum desses momentos os bancos centrais detinham entre cerca de 20% (estimativa obtida sem calculadora) do total da oferta de obrigações soberanas dos principais mercados desenvolvidos. Por muito que a Reserva Federal anuncie a redução do seu balanço e que o BCE reduza as compras de activos mensais, não deixam de deter neste momento cerca de 20% do total da oferta de obrigações soberanas em mercado.
Tendo em conta que os bancos centrais não se regulam pelas mesmas regras que o resto dos agentes de mercado, e que não vão tão cedo desfazer-se desses activos, podemos assumir que a oferta de obrigações soberanas está, em termos de quantidade, 20% abaixo do seu montante natural. Segundo a lei económica mais fundamental de todas, menos oferta implica preços mais altos. Neste caso, preços mais altos significam taxas de juro mais baixas.
Se, por um lado, o banco central reduziu a oferta com o QE, por outro, está actualmente a fixar o preço de curto prazo mais baixo e a sugerir que o vai baixar mais ao longo do ano. Para o investidor que espera que o banco central cumpra a sua palavra, mas que tem que investir em obrigações com vários limites no seu mandato, o mais natural é parquear-se em obrigações com maturidades mais longas. Como a oferta de obrigações soberanas é mais escassa que o normal, isto leva-nos a uma situação em que a curva está praticamente flat. No entanto, na minha opinião, este flattening é mais o reflexo da actual estrutura distorcida do mercado obrigacionista, do que das expectativas dos investidores. Estamos por isso, perante um flattening artificial.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.