Num surpreendente artigo – atendendo ao autor – publicado no Guardian, Stephen Hawking escreveu, a propósito da eleição de Trump e do eminente Brexit:

“As preocupações subjacentes a estas votações decorrem das consequências da globalização e da acelerada mudança tecnológica e são totalmente compreensíveis. A automatização dizimou os empregos nas fábricas e o desenvolvimento da inteligência artificial vai provavelmente alastrar a destruição do emprego às classes médias (…)

“Estes factos, por sua vez, aumentarão a já crescente desigualdade no mundo. A internet e as plataformas que a mesma possibilita permitem que grupos muito reduzidos de indivíduos acumulem enormes lucros empregando apenas um número reduzido de pessoas. Isto será progresso, mas é também a destruição do tecido social (…)

“Vivemos, pois, num mundo de crescente, não decrescente desigualdade financeira, na qual muitas pessoas veem não só o seu padrão de vida degradar-se como também a sua capacidade de ganhar a vida. Não devemos, pois, admirar-nos que procurem um novo contrato social, algo que Trump e o Brexit aparentaram prometer.”

Entre muitas profissões, sobretudo entre os jovens educados, é anátema ponderar sobre as consequências menos simpáticas que o advento da internet, bem como das plataformas monopolistas e efeitos de rede que a mesma possibilita, estão a causar na sociedade e na nossa forma de vida.

Dentro em breve, motoristas de todos os tipos, incluindo de Uber, serão desnecessários, empregados bancários serão inúteis, pilotos deixarão de voar, guerras serão travadas, mas à distância, cirurgiões serão substituídos por robôs de precisão, diagnósticos efetuados por máquinas de memória infinita e precisão notável. Apenas o futuro dirá se não caminhamos para uma sociedade de gordinhos, em que os humanos estarão condenados a uma existência de lazer e hedonismo sem outra preocupação que não seja encontrar novas formas de prazer… ou isso, ou o seu oposto distópico, de uma maioria com nada, e apenas alguns com tudo, até mesmo o sonho da imortalidade ao seu alcance.

Nas palavras do próprio Hawking, “é inevitável, é o progresso.” Afinal, quem prefere um velho e malcheiroso táxi a um Uber com odor a WC Pato? Quem diabo entrará numa livraria se tudo chega a casa numa caixinha da Amazon a metade do preço? É claro, um motorista de Uber ganha metade de um chauffeur de táxi, mas esse problema é deles. E empregados a tirar livros de uma estante, ou a aconselhar leitores, quem precisa disso?

Bom, talvez seja tempo de parar um pouco. Mais pessoas na Terra têm telemóvel do que acesso a água potável. Temos que recuperar a nossa sanidade. Devemos voltar aos princípios fundadores da sociedade humana: preocupação pelo outro, preocupação pela nossa casa comum. Apenas dessa forma poderemos corrigir a nossa trajetória. Não pela rejeição dos claros benefícios da inovação e do progresso, mas sim pelo compromisso de que a vasta maioria entre nós deles deve beneficiar e que é nossa obrigação moral corrigir os desequilíbrios que as rápidas mudanças estão a destilar nas nossas sociedades, e que inovação e progresso não merecem essa designação se a sua consequência é aquela que nos foi apontada por nada mais que Stephen Hawking.