O tema chocou e dividiu o mundo… e as grandes marcas norte-americanas. A revogação da lei do aborto nos EUA fez-nos pensar que as palavras de Joe Biden são válidas não só para os EUA, mas também para o mundo em geral: “estamos a abrir um caminho perigoso”.
As opiniões, como sempre neste tema, dividem-se de forma violenta e pouco aberta à discussão, mas se algo mudou nos últimos anos foi a posição destemida das grandes marcas a temas tão sensíveis como este, à volta do qual é tão fácil reunir tanto apoiantes como opositores.
JPMorgan Chase, Walt Disney, Netflix, Meta, Tesla, Apple, Amazon, Paramount, Starbucks, Levi’s, Yelp, Buzzfeed, Condé Nast, Uber, Lyft, Mastercard, Microsoft ou MatchGroup, são algumas das grandes empresas que se chegaram à frente e disseram estar disponíveis para assegurar aos seus funcionários acesso a um aborto legal e seguro. Estas empresas vão ter de definir um caminho sinuoso pelos brechas das leis de cada estado norte-americano, mas já atraíram a ira dos grupos antiaborto e dos Estados Republicanos.
Segundo vários juristas, estas novas políticas podem expor as empresas a ações judiciais e até mesmo a uma possível responsabilização criminal. Vale a pena esta exposição, este risco, esta posição vincada num tema tão sensível?
Posições destemidas têm sido favoráveis à maioria das marcas que as tomam, incluindo em temas sensíveis. Cada vez mais as empresas e as marcas querem ter personalidade, porque isso as torna mais humanas e esse é sempre o seu objetivo último. Uma marca que nos toca ao coração deixa de ser uma mera transação comercial e passa a ser uma espécie de “religião”. Os valores que a definem podem fazer a diferença no ato da compra, mesmo que isso implique pagar mais.
O mesmo se aplica na procura de emprego. Uma empresa com determinados valores com os quais um colaborador se identifica vai sempre interessar mais e tornar-se motivo de orgulho para quem ali trabalha. Ora, a publicidade gratuita de um embaixador interno é impagável e, normalmente, vitalícia. Motivos mais que suficientes para pagar o preço dos que se opõem a esta causa. Até porque muitas destas marcas estão na lista das mais valiosas da “Forbes”, algo que não acontece por acaso.
Veja-se o caso da Prozis, no lado oposto desta moeda. Quando o seu fundador expôs no LinkedIn a sua posição celebrando o fim do direito ao aborto, a maior loja de nutrição desportiva da Europa rapidamente se ressentiu e em 24 horas este passou a ser o tema mais debatido no Twitter em Portugal. A marca bloqueou comentários às publicações no Instagram, perdeu várias personalidades públicas e Miguel Milhão fechou a sua conta no LinkedIn.
O preço é sempre alto e há sempre perdas, seja qual for o lado escolhido, mas se há que fazer uma escolha que seja a do bem, que normalmente é onde está a maioria. O Supremo Tribunal dos EUA anulou a proteção do direito ao aborto em vigor no país há 49 anos, um retrocesso demasiado grande no tempo, sobretudo para empresas que não estão presentes apenas nos EUA, mas sim em quase todo o mundo. A resposta não pode ser local, tem de ser global.
Na Europa, França fez-se notar de imediato com o pedido do Presidente francês, Emmanuel Macron, em apresentar uma proposta de lei para integrar o direito ao aborto na Constituição francesa. Este país europeu que invoca a Liberdade, Igualdade e Fraternidade desde a revolução de 1789 – palavras também citadas na Constituição –, quer deixar uma mensagem clara à direita, que cresce a olhos vistos, mas também ao mundo. França quer assim afirmar a sua imagem de marca. Posições destemidas que o mundo aplaude, na sua maioria.