Estamos na época de Zenão, conhecido pelos seus paradoxos. É que as bolsas subiram em finais da semana passada, depois de Powell testemunhar no Parlamento americano a reconhecer que os EUA podiam ter uma recessão no horizonte, coisa a que a Goldman Sachs dá uma probabilidade de 30% e o Citigroup 50%. Ou seja, as más notícias provocaram o que tardava a acontecer: travar a queda da bolsa americana. É o mundo ao contrário.

Note-se que a relação entre queda da bolsa e recessão não é uma verdade bíblica: Paul Samuelson escreveu em 1966 na “Newsweek” que o mercado bolsista tinha previsto nove das últimas cinco recessões. Mas vivemos uma época de ruturas, e aparentemente esta seria mais uma, depois das políticas monetárias não convencionais e da secundarização da inflação na política económica. Oh! admirável mundo novo!, não à moda de Huxley, mas de Shakespeare, no Acto V de “A Tempestade”, que é uma tempestade que atravessamos.

Na verdade, a explicação é mais prosaica. Com a inflação mais alta em 40 anos (8,6% nos EUA, 9,1% no Reino Unido, 8,1% na Eurozona) e a necessidade de a controlar, a Reserva Federal norte-americana (Fed) foi forçada a endurecer a política monetária mais depressa do que antecipado. Em junho fez o que não fazia desde 1994, subiu a taxa de juro 75 pontos base, e ameaçou nova subida dessa ordem em julho. O custo mais elevado de financiamento diminui o investimento e reduz os lucros das empresas – piores perspetivas de negócio e mais baixos lucros, logo queda das ações.

Mas, no contexto atual, uma possível recessão implica menor endurecimento da política monetária no futuro, o que explica a recuperação das cotações: 5,4% do Dow, 6,4% do S&P 500, 7,5% do Nasdaq depois de três semanas de perdas e um bear market. Boas notícias também para o Estado, que se financiará a custo mais baixo: os juros dos títulos do Tesouro americanos a 10 anos, que estavam a 3,5%, caíram para 3% para acabarem a semana a 3,13%.

A melhoria é duradoura? Infelizmente, não é seguro. Foi uma correção de nível, resta saber se nos próximos meses a taxa de inflação vai ou não descer; se não descer, vamos ter mais do que tivemos. Ou seja, uma espécie de wait and see: vamos saber o que a Fed vai fazer quando ela o fizer. Pensando à la Samuelson, das doze vezes que desde os anos 50 a Fed seguiu uma política restritiva, nove acabaram em recessão; a probabilidade é forte.

Na Europa, as coisas também estão complicadas. As taxas sobre os títulos do Tesouro espanhóis e italianos estão ao mais alto nível de oito anos e o spread entre taxas italiana e alemã a 10 anos atingiu 2,5%. Resultado? Uma reunião de emergência do Banco Central Europeu. Para já, o equilíbrio é fino, mas a situação é manejável e o risco de fragmentação é baixo. Mas isto não nos livra do senhor Putin nos bater à porta e dizer: “surpresa!”.