O presidente da FIFA, Gianni Infantino, fez chegar aos membros do Conselho FIFA um documento com os planos de criação de uma nova competição mundial de seleções e de reformulação do campeonato mundial de clubes, na última semana. Isto depois de ter recebido uma proposta de investimento de 25 mil milhões de dólares (mais de 20 mil milhões de euros) para as duas competições, ao longo de 12 anos (2021-2033).
A proposta está a agitar a FIFA, mas o que pode significar estas duas provas e uma verba astronómica para o futebol mundial? “Hoje em dia, as novas competições têm sobretudo que ver com o controlo e a monetização de todos os jogos de futebol do mundo [evitando assim a realização de jogos amigáveis ou outras competições de clubes criadas por entidades independentes] do que com o desporto”, explica Luís Cristóvão, analista de futebol e autor do podcast “Linha Lateral”, ao Jornal económico.
Mais de 20 mil milhões para financiar duas provas mundiais, fará sentido?”É de facto uma proposta inédita – parece uma exorbitância – mas tudo depende do tipo de contrato a realizar”, afirma Daniel Sá, diretor executivo do IPAM e especialista em marketing desportivo. Daniel Sá não estranha este tipo de proposta, uma vez “que há grandes grupos económicos com maior capacidade financeira do que a FIFA, e estas provas têm potencial de maximizar receitas”.
O documento que chegou aos membros do Conselho FIFA, constituído por representantes da UEFA, CONMEBOL, CONCACAF, AFC, CAF e OFC, propõe organizar um mundial de futebol de elite a cada dois anos (sempre anos ímpares), com uma fase final de apenas oito seleções. Poderá vir a ser um minimundial por agora designado de “Final 8”. O modelo desta competição poderá ser idêntico ao da recém-criada Liga das Nações Europeias e a primeira edição poderá ocorrer já em outubro ou novembro de 2021. No documento entregue às confederações, a FIFA garante que a prova não vai colidir com o Campeonato da Europa, Copa América ou Taça das Nações Africanas.
A outra competição é o Mundial de clubes, igualmente em preparação para anos ímpares, que deverá abranger 24 clubes participantes e realizar-se em junho. Até agora esta prova era disputada em dezembro, por sete clubes. Aqui o único problema para as confederações é a chamada quota continental, que define quantos emblemas por continente vão participar. Alegadamente, a UEFA clama para si uma quota de 12 em 24.
Se a proposta de Infantino avançar, a FIFA mantém o atual modelo do Campeonato do Mundo de seleções a cada 4 anos, mas acaba com a Taça das Confederações – a prova que se realiza no ano anterior ao Mundial.
Importa agora saber, no que respeita aos mais de 20 mil milhões de euros prometidos por um grupo de investidores, para um período de 12 anos, se a FIFA está a vender direitos ou a recolher algum tipo de apoio ou patrocínio.
“À imagem daquilo que aconteceu com o Campeonato do Mundo de seleções, é na venda dos direitos de competições que a FIFA acaba por garantir dinheiro para financiar todas as suas atividades”, diz Luís Cristóvão. E explica:”O que se tratará aqui é da evolução do modelo, em que a FIFA passa deixa de ser o organizador da competição para fazer parte de um consórcio de investidores que estão na liderança da mesma”.
Questionado sobre se estes mais de 20 mil milhões de euros podem evidenciar um novo modelo económico para o organismo máximo do desporto-rei, Daniel Sá argumenta que o “futebol é uma indústria global” e compara-o com a indústria cinematográfica: “Lembro-me que há uns anos aconteceu algo semelhante no cinema norte-americano, com o investimento a aumentar graças a receitas associadas [merchandising e eventos, além do bilhete]”.
O mesmo pode estar a acontecer com o futebol, em que “alguns grupos terão maior capacidade de rentabilizar as competições”. “Veja-se o caso da Liga dos Campeões, que se tornou numa liga milionária”, conclui Daniel Sá.
E se há a possibilidade da formulação de um novo modelo, que impacto económico e desportivo se pode esperar com o que está em cima da mesa? Luís Cristóvão explica que a hipótese de as confederações não conseguirem controlar os seus clubes, sobretudo na Europa, dá aso a estas situações e, por isso lembra a “ameaça” de uma superliga europeia. E “tendo em conta o número de torneios organizados por entidades privadas, como a International Champions Cup, demonstrou-se a existência de um mercado para a realização destas provas”. “A FIFA não resistiu a intervir”, atira.
“Tratar-se-á de mais um modelo para distribuir dinheiro pelos clubes mais ricos e para financiar as atividades da FIFA. A inovação de se ter uma prova organizada por uma joint-venture levantará muitas questões junto das Federações, que podem sentir perder o controlo das mesmas”, acrescenta o analista.
A Demanda de Infantino
Os novos projetos da FIFA liderada por Gianni Infantino foram apresentados na última reunião ordinária do Conselho FIFA, realizada em Bogotá, Colômbia, no mês de março. Mas a primeira abordagem de Infantino não agradou os restantes dirigentes.
Na altura, o sucessor de Joseph Blatter apenas terá lançado para a mesa a reformulação do Mundial de Clubes. E quando falou da hipótese de se criar uma nova competição de seleções, financiada com mais de 20 mil milhões de euros por um consórcio asiático, os membros do Conselho FIFA não terão gostado da ideia de ser esse grupo o promotor da competição, no lugar da FIFA. A recusa de Infantino em revelar a identidade dos investidores, alegando um termo de confidencialidade, e falta de pormenores sobre a origem do dinheiro causou desconforto, segundo o “The New York Times“.
Os membros do Conselho FIFA acabaram por rejeitar inicialmente a ideia de Infantino, forçando uma reunião extraordinária no fim de abril com mais detalhes sobre o consórcio. Entretanto, o “Financial Times” revelou que um dos membros do consórcio é o Softbank, a multinacional japonesa que opera o maior fundo de investimento do mundo para tecnologia.
Dias antes da reunião extraordinária, a BBC confirmou a existência da proposta de mais de 20 mil milhões de euros de um consórcio, que também inclui investidores norte-americanos, para duas novas provas ao longo de 12 anos. Quanto aos elementos asiáticos do consórcio, um documento da FIFA consultado pela BBC, referia que nenhum é chinês ou tem ligações à Arábia Saudita.
Mais, para receber a referida verba poderá ser necessário criar uma nova entidade, integrada pela FIFA e o grupo de investidores, cuja participação maioritária (51%) será da Federação Internacional de Futebol. A concretizar-se uma nova organização. a FIFA terá controlo total em assuntos de natureza desportiva e poderá nomear metade dos membros do conselho de administração.
E uma parte dos mais de 20 mil milhões de euros também serão investidos no novo Mundial de clubes. Desse valor, cerca de 10,8 mil milhões de euros vão para o minimundial de seleções e mais de 10 mil milhões para o Mundial de Clubes. A BBC disse, ainda, estar em avaliação pelo menos a realização de quatro edições das duas provas (2021, 2025, 2029 e 2033), sendo que o minimundial terá o financiamento assegurado de 2,5 mil milhões de euros, em cada edição.
A proposta de Infantino diz ainda que o dinheiro investido pelo consórcio é exclusivamente para as duas novas provas. A FIFA estará incumbida de redistribuir os ganhos das provas pelas federações e confederações e quanto ao Mundial de clubes, que poderá ter uma edição de juniores e em futebol feminino, as ligas nacionais também deverão receber uma parte das verbas.
O Conselho FIFA, ao qual Fernando Gomes, presidente da FPF, é membro, acabou por reunir extraordinariamente, o que não acontecia desde o escândalo de corrupção que levou à saída de Joseph Blatter em 2016. No dia 30 de abril, em Zurique, Suíça, Infantino entregou aos dirigentes a sua proposta com mais detalhes. Contudo, a identidade dos investidores permanece confidencial.
O Jornal Económico entrou em contacto com a FPF com o objetivo de reunir mais informações sobre a reunião, mas não obteve qualquer resposta.
Não obstante, da reunião resultou a criação de um grupo de trabalho de sete dirigentes, constituído pelos secretários-gerais de cada uma das seis confederações e Fatma Samoura, um representante da FIFA. O objetivo: melhorar a proposta de Infantino.
Ainda assim a proposta do presidente da FIFA, à sombra de um encaixe financeiro fora do normal, rapidamente espoletou criticas de outros organismos do desporto-rei, que acusam Gianni Infantino e a FIFA de opacidade.
Infantino e “a forma de atuar da antiga FIFA”
O italiano Andrea Agnelli, presidente da Juventus FC e presidente da Associação de Clubes Europeus, foi o primeiro a insurgir-se, considerando, logo aquando da primeira reunião da FIFA em março, não ser este “o momento para aumentar a competição” no futebol. O dirigente demonstrou-se preocupado com o aspeto desportivo, nomeadamente o calendário apertado para tantas competições.
Lars-Christer Olsson, presidente da Associação de Ligas Europeias, por sua vez, disse que a forma como Infantino apresentou a sua proposta fez lembrar “a forma de atuar da ‘antiga FIFA’”.
Num comunicado do organismo que preside, a 3 de maio, Olsson argumentou: “O que vemos é uma clara inexistência de consulta e transparência e uma manipulação intencional por parte da FIFA, ao apresentar essas propostas. Mostrar um plano a longo prazo, de 12 anos, com tanta incerteza e falta de informação parece-me uma situação problemática. As Ligas Europeias não estão prontas para realizar alterações e concessões relacionadas com as respetivas competições internas, sabendo que há um calendário que já é muito congestionado. Paralelamente, as Ligas estão preocupadas com a potencial distribuição de fontes financeiras adicionais a um pequeno grupo de clubes de grande dimensão, que pode levar a um maior desnível entre os clubes europeus, podendo isso destruir o balanço competitivo nas competições internas”.
Um dia depois, Olsson afirmou ao sítio “Inside World Football” que Infantino poderá estar a tentar angariar votos para uma reeleição. Além destas propostas terem surgido em vésperas de Mundial da Rússia, 2019 é ano de eleições para os órgãos sociais da FIFA. Então, por que razão trazer uma proposta desta dimensão agora? Olsson considerou ser esta “a forma mais fácil de impedir que outra pessoa se candidate”.
“Este é um exercício de criar a ideia de ganhar dinheiro para garantir a reeleição no ano que vem”, disse o homem que também já foi presidente da UEFA. “Ninguém sabe o que está no acordo porque assinaram um termo de confidencialidade com os investidores. Está tudo muito bem dizer a todos que vão ganhar muito dinheiro, mas ninguém sabe de onde vem. Além disso, o que as autoridades da concorrência dirão sobre a assinatura de um contrato por 12 anos? ”, questionou.
Infantino poderá ter um problema em mãos, “se o novo modelo não distribuir o seu lucro de forma satisfatória para todas as confederações e federações”, lembra o analista de futebol Luís Cristóvão, ao Jornal Económico.
Taguspark
Ed. Tecnologia IV
Av. Prof. Dr. Cavaco Silva, 71
2740-257 Porto Salvo
online@medianove.com