Os portos são fundamentais para a economia nacional, por onde passa quase todo comércio intercontinental. Existem sectores que dependem quase exclusivamente dos portos, como a indústria energética (petróleo, gás natural e antigamente carvão), cerealífera, ou metalúrgica (ferro, cobre, alumínio).

Os portos sempre estiveram no centro da actividade económica. Os portos foram e são locais de carga e descarga de mercadoria, ligação entre o transporte marítimo e o hinterland, localização para vários tipos de prestadores de serviços, empresas industriais e de comércio. Um porto é um “motor” para o desenvolvimento económico, através de emprego, salários, rendas e lucros, bem como impostos.

Os portos funcionam como nós nas redes integradas de logística e, como tal, são fundamentais para o seu sucesso. Num ambiente altamente competitivo, a criação de valor acrescentado é uma forma dos portos se diferenciarem dos concorrentes, melhor satisfazer as necessidades dos seus clientes e aumentar o volume de carga movimentada.

A escolha de um porto está diretamente relacionada com a sua contribuição na cadeia logística global, em termos do chamado custo de transporte generalizado, ou seja, os custos totais de transporte, incluindo o custo em termos de tempo, fiabilidade, etc.. Os portos são, pois, vistos como elementos da cadeia de transporte, com a função de capturar valor para si e para a cadeia de transporte que integram.

Dada a importância dos portos para a economia nacional, uma estratégia clara e consensual para o sector é essencial. Desde 1998, data do primeiro documento verdadeiramente estratégico para o sector dos portos portugueses, a economia mundial mudou dramaticamente.

Nessa altura não existiam navios contentores de enormes capacidades, companhias de navegação ou operadores globais de terminais. Ainda não era significativa a considerável diferenciação entre portos hub ou de transhipment de contentores e os restantes. Não se falava de temas como o Green Deal (compromisso verde) da Comissão Europeia, mobilidade sustentável, da descarbonização e os seus custos e a crise climática em geral, que são absolutamente centrais nos dias de hoje.

A nível económico, a globalização estava em voga e a China não era ainda a potência mundial que é hoje. Em 1998, o Euro não estava ainda em circulação. A União Europeia (UE) tinha apenas 15 Estados-membros, nenhum deles da Europa de Leste.

O documento estratégico no sector dos portos é o Livro Branco da Política Marítimo-Portuária Rumo ao Século XXI, publicado em 1998. O principal resultado foi o de reconhecer os portos como nós fundamentais nas cadeias logísticas globais e o de promover a abertura ao sector privado da gestão da infraestrutura portuária.

O documento defendeu o conceito da “complementaridade entre portos”, basicamente desincentivando a concorrência inter- e intra-portuária nas infraestruturas portuárias, o que estrategicamente não se mostrou a melhor opção para o sector.

Hoje, em Portugal, temos um único operador de terminais de contentores nos 300km de costa entre Setúbal e Viana do Castelo – zona que produz 80% do PIB nacional – que opera oito terminais de contentores em seis portos, incluindo os de Lisboa e Leixões. Como resultado, os portos portugueses encontram-se face a uma crescente falta de competitividade, nomeadamente quando comparada com outros modos de transporte ou com os portos de Espanha.

O risco de um mercado monopolista existe, bem como a baixa performance, preços mais elevados, menor qualidade de serviço e poucos incentivos à inovação. Um regulador forte e ativo é essencial para garantir um sector portuário eficiente e competitivo.

Em Portugal não temos esta tradição, ao contrário do Reino Unido, por exemplo.

Recordem-se três momentos em que o regulador poderia ter atuado: i) quando a Liscont, uma subsidiária do grupo Mota-Engil, conseguiu adquirir a totalidade da rede de terminais de contentores à Norte do Sado, sem qualquer contrapartida; ii) em 2015, quando a mesma empresa vendeu a rede em bloco a um grupo turco (país fora da UE, com risco geopolítico elevado), o regulador tinha uma oportunidade excelente para quebrar este monopólio e escolheu não o fazer, e; iii) em 2019, quando foi renegociada a concessão do terminal de contentores de Alcântara até 2038, sem um concurso público internacional.

Em resultado disso, os portos portugueses encontram-se face a uma crescente falta de competitividade, aferida pela estagnação dos volumes de carga movimentada em concorrência com outros modos de transporte (não confundir com os casos em que a procura é cativa, como acontece com o transporte de fora da UE). Esta estagnação torna-se ainda mais evidente quando comparada com os portos de Espanha (exceção feita a Sines que tem a quase exclusividade do seu tráfego de contentores em transhipment).

Não é provável que esta situação de monopólio possa vir a ser alterada nos próximos anos, uma vez que as concessões portuárias já realizadas o foram por um longo período de tempo (20 a 30 anos).

Questões estratégicas

O sector dos portos em Portugal enfrenta atualmente desafios cruciais para os quais não existe uma estratégia coerente. Uma estratégia deve responder a questões críticas de médio e longo prazo. Por exemplo: quer Portugal construir um novo terminal de contentores no Barreiro, sabendo que o concurso recente para a concessão para um novo terminal de contentores em Sines ficou deserto?

Quer manter na cidade de Lisboa mais de um quilómetro de frente rio dedicado a terminais de contentores em Alcântara e no Beato? Quebrar o monopólio das concessões portuárias (e de terminais de contentores) a norte de Sines?

Alterar o modelo de gestão dos portos, permitindo uma privatização total de um ou mais portos? Definir uma estratégia de crescimento no sector das pescas? Dar ao regulador um perfil mais interventivo no sector? Desenvolver o cluster marítimo? Como integrar o sector portuário tradicional na Blue Economy?

Estas não são questões passageiras ou circunstanciais. Devem ser decididas por um amplo consenso político e definidas num documento estratégico.

Desafios futuros

O contexto económico nacional dos últimos 20 anos é preocupante. O crescimento do PIB e do PIB per capita português entre 2001 e 2021 foi essencialmente nulo. Uma exceção – apesar da baixa competitividade – foi o sector dos portos. Entre 2000 e 2019, o valor das trocas comerciais de bens com os países fora União (exportações mais importações de bens, serviços excluídos) cresceu de 21 mil milhões de euros para 39 mil milhões de euros, a uma média anual de 3,3 %.

O futuro apresenta desafios complexos. A Comissão Europeia pretende penalizar fortemente o transporte rodoviário até que este esteja (quase) totalmente descarbonizado. O transporte ferroviário exige investimentos significativos e na melhor das hipóteses é competitivo até aos Pirinéus. Com cada vez mais barreiras tarifárias, comerciais e políticas a surgirem, a “globalização” está a consolidar-se num sistema de blocos regionais.

A Comissão Europeia pretende reindustrializar a Europa e criar empresas campeãs à escala global. Neste contexto, os portos têm a oportunidade de se tornarem parte das cadeias logísticas regionais europeias até porque a mesma Comissão quer incentivar (novamente) o transporte marítimo de curta distância. Por outro lado, sendo Portugal um país periférico, estará mais longe do centro geográfico e industrial de um futuro “bloco europeu”.

Ainda assim, Portugal tem uma posição geográfica extremamente favorável no cruzamento das principais rotas marítimas mundiais; a rota Europa/Extremo Oriente e Norte/Sul atlântica, e pode tirar partido quer do crescimento do comércio mundial por via marítima, quer de ser consistente com as políticas da UE de promoção de uma alternativa multimodal sustentável ao transporte rodoviário de mercadorias, desenvolvendo igualmente o conceito de “autoestradas do mar”.

A nível estratégico, o duplo desafio a que a UE impôs a si própria, de se tornar o primeiro continente neutro em emissões de carbono até 2050 e de digitalizar a economia, a fim de reforçar a sua competitividade, irá ter um custo para o sector marítimo que não foi ainda contabilizado e muito menos internalizado.

O fim da globalização, ‘nearshoring’ e a guerra na Ucrânia

O chamado fim da globalização tem um efeito prático nas cadeias logísticas: os custos de transporte deixaram de ser irrelevantes e passam a ser um fator de custo significativo. Dado que o transporte marítimo compete quase exclusivamente pelo fator preço, as futuras cadeias logísticas serão mais curtas. Em vez da produção e distribuição se estenderem através de vários países em continentes diferentes, ficarão concentradas em blocos regionais, o chamado nearshoring.

Se Portugal tem vantagens ao nível dos serviços, com mão de obra barata e qualificada, tem desvantagens ao nível do transporte de mercadorias devido ao facto de se encontrar na periferia da Europa, com pouca capacidade ferroviária e penalização do transporte rodoviário.

Mais recentemente, os efeitos das restrições impostas pela pandemia global, que ainda se fazem sentir na China, estão a causar perturbações ainda maiores nas cadeias logísticas globais, nas quais assenta o bom funcionamento da economia global. O preço médio do frete de um contentor de 40 pés que durante anos esteve em cerca de dois dólares, subiu recentemente até aos dez mil nas maiores rotas mundiais.

Com o lockdown recente dos portos chineses, o aumento médio do tempo de transporte cresceu, da China para a Europa, de 41 para 70 dias. Entretanto, as atuais restrições de capacidade nas frotas mundiais só deverão ser solucionadas daqui a dois ou três anos, o tempo necessário para a entrega de novos navios.

A guerra na Ucrânia é um fator adicional que está a contribuir para perturbar ainda mais as cadeias logísticas globais. Em conjunto, Rússia e Ucrânia fornecem 15% do milho, 28% do trigo, 29% da cevada e 75% do óleo do girassol a nível mundial. Com os embargos económicos à Rússia e as dificuldades de exportação da Ucrânia, os preços destes bens essenciais continuam a subir e são uma das causas da inflação que atualmente se regista no mundo inteiro.

Recentemente, “The Economist” estimou que 250 milhões de pessoas estão em risco de fome e ainda há poucos dias o Presidente dos EUA responsabilizou a Rússia pela grave crise económica e política que se vive no Sri Lanka, um país situado a mais de seis mil km da linha da frente. Para além disso, a guerra “matou” as alternativas que começavam a surgir às rotas marítimas atuais entre a China e a Europa: os comboios de mercadorias entre a China e a Europa, e a chamada “rota polar” pelo Ártico, encontram-se agora encerradas.

No meio da tragédia que é esta guerra registe-se, pelo menos, o mérito que esta tem tido de dar a conhecer o papel dos portos neste sector, que se descobre, afinal, ser estratégico para a Europa e para o mundo.

Os portos enquanto catalisadores das atividades económicas funcionam como plataforma preferencial para que as empresas se estabeleçam na sua vizinhança, dando origem à criação adicional de emprego a nível local e contribuam para a criação de valor acrescentado, e para o fortalecimento da competitividade económica da região ou país.

Um bom desempenho portuário é, portanto, vital para o desenvolvimento social e económico. Ao estabelecerem a sua política de transportes, os governos devem considerar o sector portuário e os portos em particular, como instrumentos fulcrais para o desenvolvimento económico do país, assim como para o bem-estar social da região onde inserem.

Feliciana Monteiro assina este texto na qualidade de autora de “Portos em Portugal”, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), 2022, no âmbito da parceria entre o Jornal Económico e a FFMS.