Imagine um mundo paralelo em que os cartéis de droga seriam substituídos por cartéis de produtos alimentares. Parece uma piada? Um mundo melhor? Uma série da Netflix? Bem-vindo à realidade.
São necessários vários ingredientes para executar esta receita: o número de toxicodependentes na UE está a diminuir de ano para ano, instalando uma crise económica no sector, enquanto o número de consumidores com capacidade económica para comprar determinados produtos alimentares aumentou; as penas para o crime de bens alimentares adulterados são menores comparadas com o tráfico de droga ou bens contrafeitos (a título de exemplo, a pena para contrafacção de DVD pode ir até aos dez anos de prisão na UE, para produtos alimentares a pena pode ir de seis a 12 meses); e, por último, a dificuldade em detectar e investigar este tipo de crimes.
De acordo com um valor global estimado em 45 mil milhões de euros, e afectado um em cada dez produtos, não admira com este cenário que o mundo do crime esteja a trocar o tráfico de estupefacientes pelo contrabando de alimentos. Mais lucro, menos riscos, pouca probabilidade de ser apanhado.
Em Janeiro, 200 membros do famoso grupo italiano Ndrangheta, da máfia da Calábria, foram detidos a traficar comida e bebidas adulteradas na Alemanha e Itália. Se o Padrinho e os Sopranos fossem filmados agora, os negócios de extorsão de dinheiro por dívidas, jogo, drogas e transporte de lixo seriam substituídos por gorgonzolas falsificados e porcini de cavalo (sempre tinham mais cabeças de cavalo disponíveis), e o azeite teria óleo para carros na sua composição.
No ano transacto foram reportados à European Food Safety Authority (EFSA) 1.538 queixas de alimentos adulterados. Desde toneladas de arroz-agulha a ser vendido como arroz Basmati, que tem um preço muito mais elevado no mercado, a mel que não passava de xarope de açúcar e espécies de peixe branco baratas vendidas como peixe de qualidade superior, passando por azeite adulterado com óleos vários, etc. As burlas e falsificações atingiram quase todos os sectores alimentares, do vinho ao leite e derivados, aves de capoeira e outras carnes, ao café e chá.
Em Portugal, os produtos mais atingidos são o peixe, carne, azeite, vinhos e queijo. No ano passado, a ASAE apreendeu seis toneladas de queijo amanteigado por suspeita de utilização de água oxigenada no seu fabrico, e as amêijoas contaminadas do rio Tejo vendidas como amêijoa japonesa são já um clássico.
Segundo a Bloomberg, todos os anos surgem nos mercados norte-americano e europeu dez mil novos produtos alimentares, e dois mil só no Japão. O “The Economist” afirma a propósito que, neste momento, o dinheiro investido em publicidade a produtos alimentares já ultrapassou o valor do mercado automóvel.
Esqueçam as novas tecnologias, as criptomoedas, as drogas e o armamento. O grande negócio na próxima década é a comida.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.