O Presidente da República veio (novamente) ameaçar os partidos que não são governo, que, caso não haja orçamento aprovado, marcará eleições legislativas. E antes ainda das previstas para o Parlamento Europeu, em Maio: “Se não houver orçamento aprovado, (…) aí teria de se pensar duas vezes sobre se faz sentido não antecipar as eleições. (…) Nesse caso até, infelizmente seria pior do que isso. Não daria para esperar até às europeias”. “A posição do Presidente é que é fundamental para o país que haja Orçamento aprovado de modo a entrar em vigor a 1 de Janeiro de 2019”.
Extraordinário! Mas alguém pode levar esta “chantagem” a sério? Dizer tal quando não há qualquer projecto, sequer anteprojecto, de orçamento no horizonte?
Qualquer orçamento serve, desde que esteja aprovado a tempo de 1 de Janeiro? Mesmo que ferido de inconstitucionalidades flagrantes? Mesmo que seja de agressão ao povo português? O que é isto de aprovar um orçamento que não viu a luz do dia? Quem é o partido que se atreve a fazê-lo no escuro?
O que significa esta tentativa de condicionar a livre avaliação dos partidos políticos do mais importante documento do governo, do mais importante debate parlamentar?
Mas é possível que um órgão de soberania, a Presidência da República, no âmbito da separação de poderes e atribuições e competências constitucionais dos diversos órgãos da República, esteja a tentar interferir no que é primitiva competência do Governo e Assembleia da República?
Países como a Alemanha, Espanha, França, Itália, passam longos meses, anos, para lá da ausência de governo depois de eleições, sem orçamentos e nada lhes acontece. Portugal tem que ter orçamento na hora, repetindo-se a chantagem pró-solução governativa de direita do pós-eleições de 4 de Outubro de 2015?
Sim, porque o crime será inapelavelmente condenado pelo juízo implacável e antecipado do Presidente. Sentença: Eleições. Sem delongas, nos mínimos dos prazos. Ai que medo!
E, a propósito de alguém que defendeu um segundo referendo para a regionalização, diz o Presidente da República: “Sabe que a Constituição o prevê. E supondo que é um referendo nos termos constitucionais, ou seja, que não há uma revisão da Constituição para fazer um referendo diferente, é uma possibilidade perfeitamente (em termos teóricos) concebível”. Diz isto o mesmo actor político que congeminou uma revisão constitucional de emergência, para inventar um referendo que boicotasse a regionalização, comando imperativo da Constituição.
E se for uma revisão para não haver referendo, Sr. Presidente? O constitucionalismo professoral transbordou…
O mesmo constitucionalista que, depois de ter inventado o dito referendo travão, se dispõe agora, como Presidente da República, a esperar pelo parecer de um comité de sábios independentes – “uma comissão de personalidades com estatuto de independência” (independentes de quê e de quem?) – para cumprir o comando constitucional da regionalização (Artigo 236º) na criação do terceiro patamar do poder autárquico: as Regiões Administrativas.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.