Conferência do Oceano das Nações Unidas decorreu entre os dias 27 de junho e 1 de julho, trazendo a Lisboa altos dignatários internacionais e organizações mundiais, representantes da sociedade civil. Por esses dias, o Parque das Nações encheu-se de cor e foi o centro de discussão dos temas ligados à governação global do mar.

Contudo, a cobertura mediática ficou aquém do que se poderia esperar, pois esta grande conferência competia pela atenção dos media a par da Cimeira do G7, que decorreu entre 26 e 28 de junho, na Baviera, e a Cimeira da NATO, que decorreu nos dias 29 e 30 de junho, em Madrid. Apesar de o oceano ser um tema global e da insistência no facto do oceano ser essencial para a sobrevivência humana, não foi dada a devida atenção aos debates cruzados nesta assembleia que pretendia reunir os responsáveis políticos com a sociedade civil.

Mas porque o Oceano merece uma conferência e é um tema determinante? Apenas por uma razão: porque do Oceano depende a sobrevivência da humanidade.

Entre oceanos e discursos

Nesta Conferência houve a oportunidade de ouvir diversos discursos. Uns estiveram mais atentos ao facto de a mesma ocorrer em Portugal e existir uma tradição marítima longa no país, como no caso da República Popular da China. Outros optaram por falar em português, dando relevância ao Estado anfitrião da Conferência e referindo as responsabilidades diferenciadas dos diversos protagonistas internacionais, como a Argentina.

Outros trouxeram para a agenda dos oceanos o conflito na Ucrânia, como os EUA, a Geórgia ou a Estónia. Outros colocaram na agenda global as suas prioridades regionais, como é o caso da Austrália ou do Chile. Outros focaram o papel da ciência e da tecnologia na solução dos problemas do ecossistema marinho como a Índia, Tonga e Singapura.

Outros ainda referiram o trabalho que têm vindo a desenvolver na proteção do oceano, como a Colômbia ou o Panamá, sobretudo, associado à criação de zonas de proteção marinha que nestes casos está muito perto do objetivo traçado nesta Conferência.

Na realidade, a diversidade de discursos permite-nos perceber qual a importância que o oceano tem para cada país e a forma como estes Estados encaram os esforços de proteção e governação do Oceano. Também nos ajuda a perceber que Estados que se sentem diretamente ameaçados tenham um discurso mais veemente e uma vontade mais clara de impedir a sobre-exploração de recursos marinhos, nomeadamente, no que respeita à exploração do subsolo aquático.

É muito encorajador ouvir as experiências e preocupações das Ilhas Fidji, das Seychelles, do Tuvalu, das Maurícias ou de São Tomé e Príncipe. Em latitudes diferentes experimentam desafios diversos, mas como Estados em vias de desenvolvimento têm em comum o assédio sobre os seus recursos naturais e a dependência das suas comunidades relativamente ao mar. Assim, temas como a economia azul, a defesa e segurança, a preservação dos ecossistemas marinhos e o envolvimento de todos os parceiros (incluindo comunidades) estiveram em debate.

Notou-se, contudo, face à imensa dimensão da tarefa que teremos de levar a cabo, uma certa falta de ambição ao não fixar objetivos específicos ou caminhos partilhados. Percebeu-se, também, que as regiões que no seu seio consigam alguma interação entre Estados vizinhos são aquelas que têm desenvolvido projetos de governabilidade do oceano.

A priorização do Mar Báltico como região, do Mar Mediterrâneo, do Mar Adriático ou mesmo do Oceano Pacífico para os Estados que os bordejam acabou por se tornar evidente, o que contribuiu para que muitas vezes o oceano seja entendido no plural, ou seja, perdendo-se esta noção de unicidade e interdependência que a ciência provou, mas que a política internacional ainda tem dificuldade em transpor para a sua prática.

Se em teoria se aceita a unicidade do oceano, na prática das políticas públicas e no exercício das relações internacionais tal deve também ser elemento basilar.

Neste sentido, Estados e comunidades devem exigir políticas públicas adequadas à situação que vivemos e ao conhecimento que temos sobre os ecossistemas marinhos, mas, em simultâneo, manter essa exigência no debate internacional e na governação de um elemento da natureza que é património de toda a humanidade.

Portugal como ator global da governação do oceano

Para além de acolher esta conferência, Lisboa recebeu, ainda antes de termos a perfeita noção do impacto da ação humana nos oceanos, a Exposição Mundial de 1998, intitulada “Os Oceanos, uma herança para o Futuro”. Conjugando passado, presente e futuro, a Exposição chamava a atenção para a preservação dos oceanos e para a sua ligação à humanidade, e da necessidade de desenvolver políticas públicas que vissem no oceano não só uma fonte económica, mas também um fator de equilíbrio para os ecossistemas terrestres.

Precisamente, 24 anos depois, o espaço criado para essa exposição recebia a Conferência das Nações Unidas para o Oceano. Passadas mais de duas décadas, os desafios aumentaram e a consciência da fragilidade dos ecossistemas marinhos aumentou.

Portugal acompanhou essa mudança, não só através de uma visão sustentável da economia azul, como também do estabelecimento de mecanismos de proteção dos recursos marinhos. A criação de dois documentos fundamentais como a Estratégia Nacional para o Mar e o realce da importância política do mar na orgânica governamental testemunham essa transformação da perspetiva da governação interna e externa do mar.

Envolvido no processo de extensão da plataforma continental, o país tem tentado desenvolver políticas de complementaridade entre a exploração de recursos e a sua proteção. Os sucessivos governos têm apresentado projetos na área da energia, da logística e, também, das atividades tradicionais, como a pesca. Contudo, o aumento do peso da economia azul na atividade económica global ainda não atingiu os valores a que os sucessivos governos se têm proposto.

No plano científico e tecnológico, têm sido desenvolvidos projetos ambiciosos e já abrangendo diversas áreas que vão das ciências, como a biologia marinha, ao direito, à economia e gestão, ou às relações internacionais. A capacidade para formar quadros na área da governação do mar nos mais diversos campos académicos poderá fortalecer a posição de Portugal como ator global da governação dos oceanos.

A sua já extensa plataforma continental e o facto de o seu território marinho assentar em três plataformas continentais distintas, contribui para um conhecimento acrescido das questões marítimas e marinhas. Acrescenta, também, uma obrigação adicional enquanto Estado com uma zona costeira muito significativa, incluindo zonas sensíveis, diretamente afetadas pelas alterações climáticas e pelas mudanças introduzidas nos equilíbrios da vida marinha.

As três grandes transições a que o mundo assiste passam pelo oceano e, no caso português, isso é bem evidente. A procura de processos de produção energética limpos, parcialmente ancorados no ecossistema marinho, e a produção e armazenamento de hidrogénio verde em zonas portuárias, é um dos desafios da transição energética em curso.

A amarração de cabos submarinos que facilitam a digitalização das economias é outra atividade promissora para a zona costeira do país. A transição climática pode ser mitigada, através de políticas de sustentabilidade oceânica, nomeadamente através do acompanhamento e valorização das atividades tradicionais ligadas ao mar, procurando reverter a sobre-exploração através do desenvolvimento intensivo de atividades económicas nas zonas costeiras (incluindo a opção por um turismo amigo do oceano). Deste modo, Portugal também poderá contribuir para as transições que estão agora a decorrer. Para além disso, deverá posicionar-se, tendo em conta a sua posição geográfica.

Oceano, um destino de Portugal?

Inúmeras vezes, as abordagens ao Oceano são revestidas de um olhar para o passado que, sendo relevante, não esgota a importância que o Oceano tem junto das comunidades que habitam este território. A situação geográfica de Portugal coloca-o na posição de poder contribuir para a governação global do oceano e para tornar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14, dedicado ao Oceano, de forma basilar para a sua perspetiva de desenvolvimento.

A perspetiva geoeconómica reforça esta possibilidade. Com uma costa tão proeminente e uma plataforma continental de dimensões consideráveis, pode ser pensada uma forma de governação que inclua as várias partes interessadas, como as comunidades litorâneas, instituições públicas, empresas, etc., olhando para as possibilidades que o conhecimento científico e a tecnologia colocam agora à nossa disposição.

Deste modo, deveremos envolver os vários protagonistas nos projetos vindouros. Por exemplo, a área portuária incrementou a sua importância com a contentorização e a escolha do mar como meio de transporte mais favorável (à luz do processo que, historicamente, Portugal desenvolveu aquando do estabelecimento de rotas marítimas comerciais, como alternativas às terrestres), mas que também trouxe os desafios do consumo energético, da poluição por via do transporte marítimo e pelo impacto ambiental resultante dos navios largarem lastro que introduz espécies não nativas nos ecossistemas marinhos. Para garantir um desenvolvimento que vá para além do crescimento económico e uma verdadeira economia azul, a perspetiva de utilização dos portos deve ser vista como um todo e equilibrados os esforços de atração de agentes económicos que baseiem a sua atividade na sustentabilidade.

De facto, abrem-se inúmeras oportunidades para uma exploração mais equilibrada dos recursos marinhos e a consciencialização de que o Oceano é parte da estabilidade do planeta.

A criação da Zona Livre Tecnológica Infante D. Henrique, em Troia, alinha-se com estes princípios e poderá ser um bom exemplo de coordenação entre as várias áreas da decisão política com a sociedade civil, contribuindo para a experimentação de serviços e produtos que assegurem uma exploração de recursos sustentável e a integração das comunidades ribeirinhas neste esforço, pois todos os grandes projetos dependem da aceitação e participação da população local. É por isso essencial desenvolver competências junto das populações costeiras que poderão diretamente envolver-se e beneficiar destes projetos.

O futuro pode ser azul. No caso de Portugal, a geografia impõe-no, mas também existem tendências geoeconómicas que favorecem esta oportunidade. Falta, apenas, uma estratégia concertada que consiga ser entendida e rececionada pela população. Agarrar esta oportunidade torna consequente o abraçar de todo este movimento universal pelo Oceano e justifica plenamente a realização da Conferência das Nações Unidas do Oceano, de que surtiu uma Declaração de Lisboa que todos gostaríamos de concretizar e até de ir mais além.