1. Com toda a pompa e circunstância, os Chefes de Estado e de Governo da União Europeia acordaram atribuir o estatuto de candidatos à Ucrânia e Moldávia, vincando o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, (Twitter 23 Junho2022), que se trata de um “momento histórico” (…), “um passo crucial no caminho da União”.
Pondo de lado a Moldávia, que entra neste figurino mais como um “adorno”, a questão de fundo é que não conhecemos a candidata Ucrânia, nem no seu formato territorial, nem na sua economia, nem no tipo de regime/governação…
De facto, os cenários de saída da guerra dificultam demasiado as ideias sobre a Ucrânia do futuro.
Em termos de território, serão a guerra e os acordos de paz (quando os houver) – embora o Ocidente pouco esteja a fazer de positivo neste sentido – que irão determinar as bases desse futuro.
Em termos políticos, temos um presidente Zelensky cada vez mais numa deriva de ditador, bem-falante. Como assinala Paula Teixeira da Cruz: “O que lamentavelmente se tem observado, para além de uma propaganda sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial, têm sido novas proibições de partidos, a total supressão da liberdade de opinião e de expressão da opinião, a suspeição generalizada, a sucessão de purgas de pessoas tidas como fiéis servidoras do país … uma caça às bruxas com a obsessiva suspeição de colaboracionismo com as forças pró-russas” (ver “A grande ilusão” in “Público” de 20 de Julho de 2022).
Na realidade, as perseguições e as purgas políticas prosseguem na Ucrânia de tal forma que o Ocidente encontra dificuldades cada vez maiores em esconder a situação.
Será, então, esta Ucrânia numa deriva ditatorial que os dirigentes da UE “procuram” para o seu alargamento?!
Bem sei que já existem alguns Estados-membros sem liberdade de imprensa e que a presidente da Comissão contra quase todos os Comissários Europeus “comprou” o apoio de um deles, fazendo aprovar ela própria o PRR do país, quando estava pendente um contencioso com Bruxelas. E digo “comprou” porque para o “fogo de artifício” montado pela Comissão era importante o voto da Polónia.
Assim, perguntamo-nos porquê tudo isto, quando esta encenação ou outra parecida só atrasa/complica as condições de eventuais negociações para o fim das hostilidades.
Macron deu uma resposta: “Gesto puramente político”.
É, como nos incêndios, o que mais interessa às televisões são as imagens. Aqui também os vivas, os momentos “histó (é)ricos”, como quase gritou Ursula von der Leyen é o que se quer levar ao público. As questões de fundo ficam a pairar.
2. Não há pressa alguma no alargamento até porque o problema essencial de hoje da UE não se coloca ao nível de novos membros.
Coloca-se, sim, no combate à perda de poder de compra da população, à crise climática que os dirigentes da União Europeia com as suas políticas levianas a vários níveis estão a agravar, por exemplo, o recurso às centrais a carvão.
Temos uma Europa com uma política monetária titubeante, uma crise energética cada vez mais profunda que já vinha de antes da guerra mas, sem dúvida, por esta tornada mais grave (e o pior está para vir, segundo o presidente da Agência Internacional da Energia) e ainda os efeitos nefastos das sanções económicas insensatas anti – Rússia, porque mal fundamentadas, impostas pelos “falcões da política europeia”, em articulação com o poder político dos EUA.
Os “falcões” onde se encaixa a presidente da Comissão Europeia baralham as políticas em todas as frentes e estão a fazer a Europa recuar anos na economia, a privar as populações e as empresas do acesso ao gás russo, sem alternativas adequadas em quantidade, qualidade e preço, porque os dirigentes políticos avançaram com sanções, sem terem ouvido os especialistas.
Serão anos de retrocesso porque, segundo vários peritos, substituir o gás russo por outras alternativas demora vários anos de investimentos (terminais, navios, pipelines) e isso não está nem foi acautelado.
O CEO da BASF (a maior empresa química mundial e com um mega-projecto industrial na China) afirmou que “o fornecimento de gás russo tem sido até agora a base da competitividade da indústria alemã” e a sua substituição por gás natural liquefeito (GNL) dos EUA ou de outra origem vai retirar essa competitividade pelo aumento de custos e pior qualidade.
3. Vem aí um inverno europeu sem gás suficiente para o aquecimento adequado das populações e de complexidade para muitas empresas cuja actividade depende do gás.
Levianamente, a Comissão Europeia na ânsia de apresentar trabalho a ombrear com Joe Biden começou, desde o desencadear da guerra, com ameaças (na praça pública) de redução faseada de compras do gás natural, sem estar preparada.
Face à resposta de Putin de ir fechando a torneira do gás, até porque vai encontrando onde o colocar, embora a preços mais baixos, a realidade europeia tornou-se bem complexa.
A Comissão apresentou um plano de racionamento do consumo de gás (redução de 15% entre Agosto2022 e Março2023) que, apesar de aprovado, são tantas as excepções e os acordos bilaterais necessários entre países, dificilmente será posto em prática.
Mas existe um risco real: o descontentamento generalizado que esta situação está a gerar nos países e designadamente nos maiores como a Alemanha e entre a população europeia em geral.
As populações cansadas com a Covid-19 e agora com a falta de gás, ameaçadas ainda pelo desemprego, pelo frio, pelo aumento do custo de vida, como irão reagir? Sem dúvida, estão a perder a confiança nos actuais dirigentes políticos e se começarem as manifestações sociais de protesto e a instabilidade política a espalhar-se de que a Itália já é uma amostra, para onde caminhará esta (des)União Europeia?
Os dirigentes mais brandos, mas que andaram a titubear e se deixaram manobrar pelos falcões, alguns de fora da UE como Boris Johnson e Zelensky, perderam a oportunidade de seriamente avançar para linhas comuns de política energética europeia, onde assentar as sanções adequadas.
Toda esta realidade de crise, que vai provocar o racionamento de bens, a perda de poder de compra e a instabilidade social, pode levar a que a solidariedade europeia com o país invadido se esfume de forma muito profunda. A população está massacrada pelas políticas erradas dos políticos europeus e parece estar a ter consciência de que os interesses das pessoas e das empresas não foram tidos em conta nas decisões dos políticos que nos governam. A Europa caminha para uma situação muito grave.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.