Em breve, o Presidente dos Estados Unidos e o “Líder Supremo” da Coreia do Norte deverão reunir-se numa cimeira que poderia ser a Final do Campeonato do Mundo dos Penteados Esquisitos, mas que servirá para discutir um eventual fim oficial da guerra com a Coreia do Sul e o futuro do programa nuclear do Norte.

A resolução do conflito entre as duas Coreias, que dura há décadas e que por causa da aliança dos EUA com a do Sul, implicaria a participação americana num eventual regresso ao confronto armado, seria uma boa notícia. Quanto mais não seja porque como uma intervenção americana contra a Coreia do Norte significaria a morte do regime, e como uma Coreia unificada aliada aos EUA seria intolerável para a China, o reacender da guerra na península coreana poderia significar uma guerra entre americanos e chineses.

Escusado será dizer que um acordo que impedisse um Estado como o norte-coreano de se transformar numa potência nuclear deixaria toda a gente com um mínimo de bom senso a sentir-se bem mais segura. No entanto, há boas razões para temer que tudo não passe de fogo de vista.

Em primeiro lugar, o regime dos Kim vive e alimenta-se das situações de crise em que se envolve e do apoio interno que elas geram. Uma solução que lhes pusesse fim fá-lo-ia também ao seu sustento.

Em segundo lugar, o objectivo de Kim Jong-un ao reunir-se com Donald Trump pode ser apenas o de ver o seu país ser tratado com um “par” dos EUA, devido ao seu estatuto de potência nuclear, sem qualquer intenção de abdicar das armas que lhe oferecem esse mesmo estatuto.

Em terceiro lugar, a Coreia do Norte está agora simplesmente a repetir aquilo que os seus líderes têm dito ao longo de décadas, sem outro resultado que não a aceleração das suas ambições nucleares.

No entanto, o mais preocupante na cimeira nem sequer é a possibilidade desta correr mal, mas sim o que “correr bem” poderá implicar.

O objectivo dos Kim em “nuclearizar” o seu país passa por usar esse poder para se perpetuar: em caso de invasão dos seus vizinhos do Sul, do Japão, dos EUA ou de uma combinação dos três, o regime lançaria ataques nucleares contra as cidades dos adversários e as tropas americanas neles instaladas para causar um número suficientemente alto de baixas e assim “repelir” a ameaça à sua sobrevivência política e literal.

É por isso que quando fala em “desnuclearização da península”, Kim quer dizer “a ausência de uma potência nuclear na península”, ou seja, a retirada da presença americana como garante da segurança da Coreia do Sul e talvez até o fim da aliança formal entre os dois países. Tendo em conta que Trump já se mostrou disposto a retirar o apoio americano aos sul-coreanos, a hipótese de uma tal cedência ser feita não pode ser totalmente posta de parte.

Caso tal acontecesse, a consequência seria óbvia: a Coreia do Sul, deixando de ter o guarda-chuva americano a garantir-lhe a segurança perante a ameaça do Norte – e da China – teria de assegurar por completo a sua própria segurança, aumentando significativamente a sua já elevada despesa de Defesa.

O Japão, vendo que os EUA estariam dispostos a deixar cair alianças em prol da obtenção de ganhos temporários, certamente recearia que o mesmo pudesse acontecer consigo, abandonaria definitivamente o “pacifismo” do pós-guerra e seguiria o mesmo caminho dos coreanos.

Por sua vez, a “corrida às armas” destes dois países certamente faria com que a China (e a Rússia) sentisse a necessidade de manter a sua margem de supremacia, criando novos e mais agudos receios no Vietnam ou na Índia. Em poucos anos, o Sudeste Asiático transformar-se-ia numa espécie de Europa Central em 1914, e a paz não seria muito duradoura.

Por muito que isso possa desagradar aos nossos “anti-imperialistas” de sofá, é bem provável que a presença americana na área tenha feito com que as rivalidades regionais não tenham feito deflagrar uma guerra. E tal como no Sudeste Asiático, o mesmo se passa um pouco por todo o mundo: quem pense que o Médio Oriente seria mais pacífico sem os EUA metidos ao barulho está muito enganado.

O perigo de um acordo de paz na península coreana está em talvez só ser possível com a sinalização de que os EUA deixarão de garantir a segurança de um dos seus aliados, o que mina a sua credibilidade perante os restantes (entre os quais Portugal e os outros membros da NATO), aumentando a sua insegurança e a probabilidade de entrarem em conflito com quem os ameaça.

Sem uma potência global que esteja acima dos equilíbrios de poder regionais um pouco por todo o mundo, fica-se também sem o factor que, apesar de tudo, tem impedido que os receios mútuos das várias potências regionais neles envolvidas se transformassem em “corridas às armas” e em guerras abertas. Qualquer pessoa de bem deseja uma solução pacífica para a crise coreana. Mas às vezes é preciso ter cuidado com o que se deseja.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.