Angola irá realizar as suas quartas eleições em contexto de pós-guerra, em 2022, de acordo com a nossa proposta de classificação, considerando que as eleições de 1992 foram eleições de pós-guerra. As eleições de 1992 resultaram, sobretudo, dos acordos de Bicesse de 1991. Por sua vez, a primeira eleição em contexto de pós-guerra, em 2008, foi resultado de um processo de pressão política protagonizada pelos partidos políticos e por grupos da sociedade civil, ainda no decurso da guerra, precisamente na década de noventa do século XX, devido à já extensa duração dos mandatos dos deputados e do Presidente da República.
Importa relembrar que o Memorando de Luena, que serviu como instrumento político para estabelecer as condições de paz militar, não previa, por conseguinte, em nenhuma das suas cláusulas, a realização de eleições no país. De forma que as eleições acabam por ter lugar apenas seis anos depois do fim da guerra civil.
O novo ciclo eleitoral angolano, inaugurado com as eleições de 2008, tem como marca indelével o contexto de pós-guerra, que actua como um factor de condicionamento sobre o processo de organização pré-eleitoral e, igualmente, como um factor de constrangimento para os partidos da oposição não envolvidos directamente no conflito armado. Deste modo, o contexto acaba por ter um impacto directo no resultado da competição político-partidária em desfavor dos partidos políticos na oposição e dos grupos da sociedade civil, beneficiando política e eleitoralmente a força vencedora do conflito armado que detém o controlo político e militar do território.
Este contexto político-histórico pode, ainda assim, ajudar na criação de um ambiente político mais ajustado para uma competição eleitoral mais justa e adequada para a consolidação de um processo de uma transição para a democracia. Mas, por outro lado, facilita, também, um processo de consolidação de poder de uma força que, deste modo, consegue preservar um ambiente de paz militar, com baixo risco político e militar, e não tem expectativa de alternância de poder.
As eleições de 2008 em Angola serviram para reforçar a legitimidade do vencedor da guerra civil, precisamente o MPLA, que passou, desde então, a controlar o processo de organização e a votação das eleições subsequentes, gerando, assim, o fenómeno de path dependence do novo ciclo de eleições angolanas. Este efeito de path dependence gera uma noção de repetição de um fenómeno político, por isso, o cidadão angolano terá quase sempre a sensação e a percepção que cada novo acto eleitoral a decorrer no país parece ser semelhante aos actos eleitorais passados, porquanto o contexto político é semelhante, alterando-se apenas o período histórico das novas eleições.
Face ao forte condicionamento histórico, já em 2002, o cientista social angolano Nelson Pestana apelava, num artigo publicado na revista Política Internacional, intitulado de “Da paz militar à paz civil” à adopção de “uma mudança de registo que se traduzisse na passagem de um pacto militarista para um contrato social democrático, ou seja, a necessidade de realização de eleições para a produção de uma nova legitimidade política inclusiva e democrática”.
As quartas eleições angolanas têm o interessante desafio de pôr fim a este ciclo ou, pelo contrário, de preservar e estender este tipo de eleição na história do país. Porquanto o fim do ciclo de eleições em contexto de pós-guerra só ocorrerá quando o MPLA deixar de ter um domínio político-representativo, o que se traduzirá num novo tipo de eleição pautada por um maior equilíbrio político.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.