O mundo está em desequilíbrio. Os sinais multiplicam-se: inflação por oferta e procura estarem desalinhadas, estagnação porque há carência de fatores de produção e cadeias produtivas desorganizadas ou em rutura, desvalorização por perspetivas económicas e políticas serem dispares designadamente entre os dois lados do Atlântico, conflitualidade social fruto de populismos estimulados pelo aumento das desigualdades.

Em termos económicos, a teoria aponta o caminho: num desequilíbrio, o mercado é estável e ajusta para o novo equilíbrio. Mas qual é o novo equilíbrio e qual é o ajustamento quando o próprio modelo de organização e de relações entre agentes, países e blocos muda, sem ser claro em que direção? Para mais Putin, tem-se entretido nos últimos 20 anos a minar o funcionamento de democracias e mercados, como é bem ilustrado por Catherine Belton no seu Putin’s People.

A transição de um mundo sem inflação para um com ela será penosa, até por os seus efeitos serem desiguais e regressivos. E não vai acabar amanhã: a inflação é 8,5% nos EUA, 9,1% na Europa. Na Itália, onde a situação política é complexa, é 8,4%, o valor mais alto em 37 anos; o Reino Unido está a um máximo de 40 anos, com 10,1%, e a Goldman Sachs prevê que possa situar-se perto dos 15% em janeiro; na Alemanha será de 7,9% em agosto, e vizinha de 10% no final do ano.

Mesmo que haja fatores transitórios, como o boicote do gás russo ordenado por Putin e que multiplicou o preço por seis, a reorientação de cadeias produtivas, a relocalização da produção e a segurança nos fornecimentos terão um custo de longo prazo. E menos inflação não é os preços descerem, é subirem mais devagar.

A utilização do sistema financeiro internacional como arma contra a Rússia após a invasão da Ucrânia irá acelerar o movimento para a diversificação das reservas e o dólar perderá parte significativa do seu papel neste domínio. Vão longe os tempos em que Connally respondeu, em 1971, aos ministros das Finanças que o interpelavam em Roma sobre a apreciação do dólar que “o dólar é a nossa moeda e o vosso problema”.

Ninguém se quererá sujeitar a ver parte das suas reservas congeladas ou confiscadas por um desacordo político ou comercial, portanto veremos reservas a serem detidas noutras moedas; o Yuan será o candidato natural onde os regimes forem autocráticos. Mas não será só um redesenho de cadeias de produtos e rotas comerciais, será também de movimentos e centros financeiros, como antecipado em 2008 no “World Out of Balance” de Brooks e Wohlforth: o fim do mundo unipolar está aí.

Isto acontece quando as políticas monetárias mudam radicalmente. As taxas de juro zero não são sustentáveis, nem a aquisição sistemática de dívida pública pelos bancos centrais, que engordou o seu balanço a níveis nunca antecipados. Chegou o dia do the party is over. Vai haver um redesenho global, resta ver qual. Precisa-se um ‘bruxomestre’ em Bruxelas.