Passa agora uma semana sobre a Nakba de 2018. Sim, sob outras roupagens, a tragédia do Povo Palestino em 1948 repetiu-se com enorme simbolismo, morte e sofrimento em 2018. Nakba significa catástrofe, tragédia. Nakba foi exactamente o que aconteceu em 1948 e se tem repetido dia-a-dia até ao 15 de Maio de 2018.

Não valerá muito a pena entrar pela contabilidade da história; é facto que israelitas e palestinos têm as mãos sujas de muito sangue ao longo destes duros 70 anos. É facto indesmentível que, para sanguinários do nível de Begin, Sharon ou Nethanyahu, há um Hamas que não renuncia à violência e à luta armada. É facto que judeus ortodoxos correspondem exactamente aos islamitas radicais na intolerância, na cegueira, na sede de opressão. É uma história sem grandes santos a destacar, talvez por isso se tenha desenrolado como todos sabemos.

Na realidade, extremistas marginais à parte, ninguém hoje recusa o direito a Israel ser um Estado composto por um Povo, um Território e o controlo da sua soberania, o que inclui um exército, uma política de defesa proporcional às necessidades reais e o normal reconhecimento no quadro das nações em observância do Direito Internacional. Mas será isto que o extremismo sionista que governa, e tem governado Israel, salvo honrosas excepções, quer? A dura realidade prova-nos precisamente que isto, o justo e proporcional, não basta a este Israel.

Aproveitando a radicalidade de um grupo que não reconhece o Estado de Israel, o governo judeu tem, com particular ênfase nas suas vertentes mais radicais, perseguido uma política metódica de inviabilização e aniquilação das bases de um Estado Palestino viável. Nega à Palestina, por via da força e da opressão, o agrupamento enquanto Povo, a continuidade territorial e o exercício viável de soberania, os três pilares de qualquer Estado. Resumindo, o que Israel tem garantido pela comunidade das nações desde 1948, nega, impossibilita e sabota aos palestinos cada dia que decorreu nestes 70 anos.

Tive a honra e o privilégio de integrar a primeira visita oficial do Parlamento de Portugal à Palestina. Não vos vou falar da Faixa de Gaza ou das caricaturas do costume. Posso falar-vos de coisas bem mais simples e, talvez por isso, infinitamente mais marcantes.

Posso falar-vos do horror dos colonatos, da opressão do muro que retalha violentamente o território, da brutalidade dos controlos armados.

Posso contar-vos de me terem cuspido no rosto por estar acompanhado de palestinos, das horas de violência psicológica que passei na fronteira controlada por Israel por saberem que me dirigia à Palestina, da proibição inexorável de entrar na Esplanada das Mesquitas.

Posso relatar-vos a prisão discricionária de jovens cristãos que nos acompanhavam em Hebron, do terror diário daqueles que resistem estoicamente debaixo de urina, água suja e todo tipo de detritos atirados por judeus ortodoxos na cidade velha de Hebron.

Posso testemunhar a impossibilidade absoluta de um povo se deslocar livremente no seu próprio território, a possibilidade de se ser suspeito apenas pelo traje e pela cor da pele. Na semana que lá passei, foram mortos dois jovens, uma criança e um ministro da Autoridade Palestiniana. O hospital e as autoridades Israelitas decretaram a morte do ministro por motivos do foro cardíaco.

Em Belém, em Jericó, em Hebron, em Jerusalém, tive a horrível sensação de sentir sobre o Povo Palestino a reedição dos relatos históricos da tragédia que se abateu sobre o Povo Judeu na primeira metade do século passado. Com a sinistra circunstância de ver as vítimas de então serem os carrascos de hoje.

Sei que há no espectro político democrático uma corrente, cada vez menos forte mas significativa, de defensores cegos de tudo o que Israel faz, atrocidades incluídas e branqueadas. Resultará isto de um complexo injustificado que a direita democrática interiorizou pelos crimes nazis e da colonização oportunista e radical que alguma esquerda fez da causa do Povo Palestino? Nada mais errado.

Os democratas devem ocupar-se em defender a democracia, a proporcionalidade, a justiça, o Direito Internacional e os Direitos Humanos. Enfim, tudo o que este Israel não respeita, constituindo-se pela sua cabeça e pelas suas acções num estado pária, negação de todos os princípios que levaram à nobreza fundadora dos que lhe deram a possibilidade de existir.

Hoje Trump lidera um batalhão de colaboracionistas que defendem activamente a opressão, a ilegalidade, a violência, a ocupação, a negação de facto dos direitos do Povo Palestino. A Europa tem resistido maioritariamente bem. Repete-se, ainda assim, a história, mais uma vez. Não faltam os Pétain e os Mosley da actualidade, não falta, como então, quem os siga por ortodoxia ideológica ou diletantismo bacoco. Mas, a verdade, essa coisa terrível, não prescreve, estará sempre lá. As vidas e o sangue do Povo Palestino também.

Como dizia S. Tomás de Aquino, a paz é a tranquilidade na ordem justa. Até lá chegarmos, é imperioso não calar.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.