Nas últimas semanas, a discussão pública sobre os preços da energia centrou-se em medidas para aliviar a pressão que a sua alta tem vindo a ter na economia e nas famílias.
Não pretendo discutir se as medidas recentemente tomadas pelo Governo são eficazes ou suficientes, ou se deveriam ter sido outras e, nesse caso, quais. A forma como essa discussão é tida em Portugal é muito pouco esclarecedora. Centramo-nos em aparências muito mais do que em realidades, e privilegiamos o curtíssimo prazo em vez da sustentabilidade futura. E a análise das causas é orientada por uma visão imediatista e emotiva, baseada na dificuldade que as pessoas sentem na gestão dos seus orçamentos.
Tenho para mim que o principal problema de economia portuguesa, não só do ponto de vista energético, está no paradigma de desenvolvimento escolhido.
Portugal é um país pequeno, com uma economia aberta e susceptível às flutuações dos mercados internacionais. Esta é uma condicionante essencial que coexiste com outros factores de monta, entre os quais:
- a escassez de recursos naturais próprios, que inviabiliza o desenvolvimento de uma indústria extractiva com dimensão relevante (e, por vezes, quando essa possibilidade surge, como no caso da exploração das reservas de lítio, surgem múltiplas objecções, nem sempre com fundamentos devidamente informados);
- a proporção de idosos na população total, que tem vindo a aumentar, torna mais difícil garantir a viabilidade futura da Segurança Social;
- o peso do Estado, que tem de ser financiado pela riqueza criada pelos sectores produtivos;
- a estrutura produtiva assente numa teia de micro e pequenas empresas, fundamentalmente descapitalizadas, cujos produtos têm baixo valor acrescentado e que para subsistirem têm necessidade de praticar salários baixos.
Estes são factores-chave que condicionam o desenvolvimento e que justificariam um debate nacional aprofundado, conduzido em termos sérios, com base em análises fundadas em factos objectivos, visando a definição de uma estratégia de crescimento e reposicionamento da economia portuguesa no quadro da União Europeia e do espaço atlântico, onde se poderia afirmar em termos diferentes.
No sector energético, mesmo considerando o crescimento notável da produção de energia de fontes renováveis disponíveis no País, Portugal continua dependente de importações e, consequentemente, do que se passa nos mercados internacionais, onde nos últimos meses se assistiu a uma tendência para o crescimento dos preços com impacto sério ao nível dos custos de produção e dos orçamentos das empresas e famílias.
Debatem-se agora medidas que possam combater esses efeitos. No que respeita aos produtos energéticos parece ter sido aceite que é preciso repensar a componente fiscal, que no quadro de um mercado liberalizado é o elemento de formação de preços de venda ao público que pode ser mais facilmente manipulado. O resultado será dependente da intensidade da intervenção e da capacidade do Estado para prescindir de receitas, ou para as substituir.
Outras acções que foram identificadas e postas em prática são soluções de curto prazo. Por exemplo, a possibilidade dos consumidores de gás natural aderirem ao mercado regulado, onde as tarifas reflectem o conjunto dos contratos existentes, entre os quais estão alguns a longo prazo com fórmulas de preço que reagem mais lentamente às variações do mercado.
Mas, no futuro, os preços regulados irão crescer porque o preço do gás comprado ao abrigo dos tais contratos de longo prazo também irá subir, e é provável que a certa altura esteja mesmo a valores mais elevados do que os dos mercados spot.
Todo este quadro reforça a minha convicção de que é necessário repensar a estratégia de desenvolvimento económico do país. É preciso identificar correctamente os constrangimentos e vulnerabilidades com que o país se depara, e definir formas de os combater e ultrapassar. É preciso formular uma visão para o futuro, definir objectivos e oportunidades, conceber as métricas necessárias para avaliar os recursos, existentes ou a obter (e como) para aproveitar o potencial e criar um novo quadro base. Ou seja, é preciso reinventar Portugal.
Espero sinceramente que essa discussão possa ser tida. Infelizmente a tendência para nos concentrarmos nas aflições do momento presente, a preocupação dos principais agentes políticos em satisfazerem interesses de clientelas, e a estridência de argumentos populistas que apontam para mágicas soluções fáceis (e erradas) para problemas complexos, têm impedido que se forme a vontade para iniciar um debate com essas características.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.