Num mundo onde a tecnologia está a influenciar de forma acentuada as tendências do futuro ecossistema empresarial, levantando questões e preocupações sobre o papel do trabalho convencional, existem novas e disruptivas oportunidades que têm vindo a encontrar o seu espaço, e que parecem ter capacidade para se consolidar e moldar novos mercados a nível global.
Um destes novos espaços chama-se economia colaborativa. Tem evoluído muito favoravelmente nos últimos anos e, segundo estudos de observadores reputados, poderá crescer de forma exponencial durante a próxima década e representar uma verdadeira mudança em áreas da economia tradicional, acompanhando as tendências sociais, tecnológicas e humanas futuras. A título de exemplo, nos países europeus, trata-se de uma área que pode vir a expandir em quase 100 vezes o valor de receitas geradas até 2025, alterando o paradigma em sectores como o alojamento ou transportes, mas também nos segmentos de serviços e consultadoria especializada, ou até no sagrado setor financeiro, um dos setores chave tradicionais que se encontra em grande transformação.
Uma nova economia assente nos novos valores sociais de uma nova geração…
Os negócios de venda de artigos online, como por exemplo o eBay ou o mais português OLX, já tinham sido um percursor da lógica peer-to-peer, e permitiram que o indivíduo comum se transformasse num retalhista e pudesse criar o seu negócio, gerando liquidez para ativos ou objetos que tinha casa, ou vendendo criações suas de pequena produção artesanal. A escala alargou-se para serviços ligados a ativos fáceis de monetizar e com procura, como a oferta de serviços de transporte ou partilha de veículos, ou ainda a disponibilização de estadias e quartos para fins turísticos.
Esta conjugação de fatores gerou um ecossistema de negócio acessível a todas as pessoas com acesso a uma plataforma, que tenham disponíveis para si bens ou serviços que, colocados digitalmente, permitiram escala económica e criar nichos de negócio rentáveis e, em alguns casos, suficientes para gerar algum dinheiro extra e, mais do que isso, criar um ou mais postos de trabalhos.
A criação de valor na economia de partilha tem ainda um caráter equitativo valioso. Do lado do proprietário, o aumento do rendimento disponível é evidente por via da rentabilização financeira dos bens e serviços que tem e que estavam subaproveitados. Por outro lado, as pessoas que alugam ou arrendam os bens disponibilizados para partilha, conseguem poupanças significativas face a canais de distribuição tradicionais para bens semelhantes. Adicionalmente, a procura para estas soluções pode continuar a ser induzida pelos comportamentos e valores de uma nova geração, que privilegia menos a propriedade dos ativos, como casa ou carros, em detrimento da experiência – e que têm vindo a assumir padrões de consumo que são bastante compatíveis com o que as plataformas de partilha têm para oferecer.
… e uma oportunidade para um novo tipo de emprego e de empreendedores
Hoje fala-se bastante no impacto que as alterações produzidas pela automação produziram na indústria, destruindo muitos postos de trabalho que dificilmente serão recuperados. A área da economia colaborativa tem contribuído, de facto, para redesenhar muitos setores tradicionais, mas como permite uma extração de valor adicional, tem vindo a criar espaço para que se criem postos de trabalho e, inclusive, novas empresas.
Veja-se o exemplo de uma pessoa que começou por colocar o seu carro disponível numa plataforma de partilha de veículos como forma de fazer um dinheiro extra através das plataformas de partilha. Provavelmente, nesta altura, já adquiriu algumas viaturas com o simples propósito de as alugar. No eBay, aquele que será a mais antiga plataforma de partilha de produtos subutilizados, muitos começaram por ser vendedores ocasionais, mas depois derivaram para um formato mais profissional, capitalizando na transição do processo. Estes são os chamados power-sellers, novos empreendedores que têm vindo a vencer nesta nova economia.
E o mesmo acontece no alojamento, onde muitos começaram por colocar uma pequena habitação ou quarto, e à medida que a procura e confiança cresceram foram-se transformando em verdadeiros proprietários de um negocio de estadias – em algumas cidades, ajudaram a revitalizar o negócio turístico e influenciaram os preços das rendas. Ou, por último, como projetos de investimento foram viabilizados pela criação do crowdfunding, suportados nestas plataformas de economia partilhada.
Ou seja, estes canais de distribuição permitem não só que o particular rentabilize um pequeno ativo ou serviço, mas também que possam ganhar escala e evoluir, tornando-se mais profissionais e empreendedores na abordagem a este mercado.
Catalisadores económicos, sociais e tecnológicos deverão sobrepor-se a riscos regulatórios, fiscais e de segurança
O setor da economia de partilha enfrenta dores comuns a qualquer setor em fase de crescimento, sobretudo pela necessidade de se protegerem as plataformas e os utilizadores das mesmas, seja do lado da procura, seja do lado dos proprietários. Um dos maiores desafios será comum ao conceito de e-business, e que tem a ver com a segurança de transacionar online. As principais plataformas de economia partilhada estão a procurar formas de aumentar a confiança, nomeadamente através de notações de rating dual e controlos de identidade. A segurança da transação e a privacidade dos dados são, pois, um dos obstáculos a ultrapassar.
Outra questão tem a ver com a parte fiscal. Ou seja, que tipo de tributação fiscal será enquadrável? E até que ponto a economia de partilha não se poderá transformar numa lógica puramente económica, levando ao desvirtuamento do conceito tradicional – como, por exemplo, o setor do alojamento, que tem vindo a inflacionar os preços locais e a desvirtuar zonas que são residenciais na sua essência, e que acabam por se transformar em zonas de oferta turística.
Por último, temos ainda a incerteza relativamente à regulação e tributação, que pode vir a afetar futuramente a viabilidade económica dos participantes. Estes são tópicos que deverão ser enquadrados de forma a evitar colisões de interesses comerciais para que exista equilíbrio – entre o que é necessário regulamentar de forma a proteger os interesses dos consumidores, e a sede das empresas incumbentes dos setores mais afetados em combater de forma feroz este novo tipo de concorrência.
Os próximos anos serão mais intensos no que diz respeito ao desenvolvimento dos enquadramentos fiscais e de regulação. Tal como será necessário aferir do impacto das leis aplicadas à indústria convencional, mas isso também é um sinal do potencial de crescimento que a economia colaborativa encerra e que não deve ser ignorado pelos investidores, cujo perfil esteja muito enquadrado com temas de nicho de elevado crescimento no segmento de consumo, sobretudo que se relacionem com ecossistemas disruptivos em termos temáticos.
Aos catalisadores sociais – relacionados com o desenvolvimento de um papel mais relevante para os valores de comunidade ou com uma nova geração, para a qual o conceito de propriedade é menos relevante que o usufruto ou a experiência – associam-se os catalisadores tecnológicos das plataformas e redes sociais, que tornam a intermediação acessível a todos, e os drivers económicos, que permitem a criação de mercados de forma rápida e com dimensão, num contexto de custos de acesso reduzidos. No final do dia, serão estes que, à partida, irão prevalecer sobre os riscos.
‘Bottom’s up’: quanto pode valer a economia da partilha para Portugal?
Em Abril de 2016, a consultora internacional PWC produziu um relatório – um impulse paper – para a Comissão Europeia, para esta área (DG Grow), de forma a avaliar a dimensão e presença da economia colaborativa na União Europeia. Nesse documento mostra-se que o mercado da economia colaborativa na Europa tem vindo a crescer significativamente, acompanhando a tendência mundial. De acordo com a avaliação produzida pela consultora, as retornos produzidos para as plataformas de partilha (P2P) em 2013 rondariam os 15 mil milhões de dólares a nível global.
As estimativas da PWC apontam para que, em 2025, esta receita aumente para os 330 mil milhões de dólares, o que significa que o setor poderá crescer 21 vezes em pouco mais de dez anos. Na Europa, o mercado da economia colaborativa tem vindo a crescer significativamente, acompanhando a tendência mundial. Desde 2013, o crescimento das transações efetuadas praticamente triplicou, passando de 10,2 mil milhões de euros para 28,1 mil milhões de euros. Já as receitas obtidas pelas plataformas de intermediação dos bens e serviços peer-to-peer mais do que triplicaram no mesmo período, passando de mil milhões em 2013 para 3,6 mil milhões em 2015.
E Portugal, também beneficia? Para além de ter um bom contexto – mercado compacto, com infraestruturas tecnológicas acima da média e a caminho de transformar-se num dos hubs mais interessantes e visíveis a nível europeu para criar negócios relacionados com a economia digital – Portugal tem igualmente condições para o desenvolvimento de uma economia colaborativa que seja também monetizável.
Tendo em consideração critérios de extrapolação simples, com base nas projeções da PWC para a União Europeia, e tendo em consideração as ponderações relativas sobre o PIB, estamos a falar de um mercado que poderá valer atualmente entre 120 e 205 milhões de euros em receitas potenciais, e que, em 2025, poderá atingir os 600 milhões de euros de receitas potenciais para os agentes envolvidos. Ou seja, Portugal, apesar da sua reduzida dimensão, é também um mercado com potencial interessante para capitalizar esta oportunidade da economia da partilha.